Fizz. Procurador critica ex-colega: “Acho estranho retirar documentos do processo. Bastava selar”

Ouvido hoje como testemunha, o procurador Ricardo Matos afirmou que se a ideia do seu antigo colega Orlando Figueira era preservar a reserva da vida privada do antigo vice-presidente angolano, bastava selar os documentos comprovativos dos seus rendimentos, não era preciso retirá-los dos autos. Disse ainda considerar que tais documentos são meios de prova

O procurador Ricardo Matos, que investigou diversas personalidades angolanas no Departamento Central de Investigação e Ação Penal, disse hoje não concordar com a forma como o antigo colega Orlando Figueira conduziu as investigações a Manuel Vicente. Ricardo Matos foi ouvido durante a manhã no caso Fizz, no qual Figueira é suspeito de receber subornos do ex-vice-presidente de Angola para arquivar inquéritos que o visavam e eliminar referências e documentos relativos aos rendimentos do antigo governante angolano.

Ainda que tenha concordado que pouco mais havia a fazer na investigação à compra de um apartamento no Estoril Sol por Manuel Vicente do que pedir os seus comprovativos de rendimentos, Ricardo Matos disse  achar estranho que esses documentos tenham depois sido tirados do processo.

“Acho estranho. Se são documentos e o objetivo era preservar a reserva da vida privada bastava selar os documentos”, disse o magistrado, explicando que não concorda com a decisão do antigo colega.

A testemunha frisou ainda que tais documentos eram um meio de prova, razão pela qual não poderiam deixar de constar no processo: “É preciso analisar se os documentos são ou não meios de prova [e o que se podia fazer era] desentranhar e selar”.

E reforçou a ideia: “Entendo que não se suprime nada do processo, a não ser coisas que não devam lá estar”.

A testemunha disse ainda nunca ter tido conhecimento de que no DCIAP existia o risco de os documentos desparecerem, uma versão avançada por Orlando Figueira para justificar que apesar da eliminação dos documentos tenha guardado uma cópia dos mesmos na sua casa.

“Nunca levei documentos para casa”

“Eu nunca fiz isso”, afirmou Ricardo Matos, considerando não achar normal nem conhecer qualquer colega que o tenha feito.

O procurador veio também reforçar a ideia da acusação de que o procurador titular do inquérito tinha total autonomia, contrariamente ao procurador adjunto. Isto porque a acusação diz que foi Orlando Figueira quem tomou todas as decisões e que a sua adjunta, Teresa Sanchez, tinha autonomia reduzida, não o podendo contrariar.

“O titular do processo é o procurador da República. A autonomia do ponto de vista pessoal é igual, mas [o adjunto] não tem poderes para contrariar a linha do procurador”, referiu.

Antes de arquivar a parte de Manuel Vicente relativo à compra do apartamento, Orlando Figueira separou-a do processo mãe, onde eram investigados vários cidadãos pela compra de apartamentos no Estoril-Sol. Uma prática questionável segundo o procurador Ricardo Matos: “A extração de certidão para arquivamento… eu não faria, mas não é nada que fira a consciência jurídica. É uma questão de procedimento”.

Criticas à comunicação prévia a Cândida Almeida

Outro dos pontos que foi criticado pelo também antigo magistrado do DCIAP – Ricardo Matos já não se encontra a trabalhar naquele departamento – foi o facto de Figueira ter dado conhecimento prévio da sua decisão de arquivar à então diretora Cândida Almeida.

“Nunca na minha vida submeti qualquer decisão minha a exame prévio. Eu nunca fiz isso em lado nenhum, nem nos processos de Angola”, disse frisando que o conhecimento que deve ser dado à hierarquia é à posteriori da decisão tomada.

Orlando Figueira tem defendido que decidiu devolver documentos e eliminar referências a Manuel Vicente de um anexo, dado que o mesmo anexo continha dados de outros cidadãos para os quais a investigação iria prosseguir – justificando que por isso não podia selar os documentos.

Hoje em tribunal, o arguido pediu a palavra para afirmar, na presença da testemunha, que “todos os magistrados em caso de arquivamento em crimes puníveis com penas superiores a cinco anos são obrigados a comunicar a decisão ao superior hierárquico”. E recordou que “a magistratura do MP é hierarquizada”.