”Há um problema fundamental que são os custos de uma criança na creche”

Ana Alexandre Fernandes, professora na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, considera que é incomportável para uma família jovem apostar numa criança se não tiver ajudas.

É previsível que o país regresse ao número de nascimentos anterior à crise?

Ficámos a tocar o fundo do poço. O nível de fecundidade que se atingiu em Portugal, de 1,3 crianças por mulher, praticamente não foi atingido noutros países da Europa a não ser em Itália nos anos 90, mas houve recuperação: hoje está melhor do que nós. Aquilo que a literatura nos diz é que este valor é demasiado baixo numa população e há tendência para a recuperação, mas não estão ainda criadas as condições para esta recuperação.

Discute-se ciclicamente esta crise de natalidade. Em termos de medidas, onde vê a maior lacuna?

Para além da questão salarial e da precariedade laboral na população apta para ter filhos, existe um problema fundamental que são os custos de uma criança numa creche. Ninguém, mesmo numa situação precária, está para faltar ao trabalho para ter uma criança. O casal pesa antes do mais que verbas pode dispensar e a sociedade não é amigável para receber uma criança: os custos são muito altos, e os salários muito baixos.

Hoje paga-se facilmente 300 euros para ter uma criança na creche.

Considerando que os salários da maioria da população estão abaixo de mil, é incomportável para uma família jovem apostar numa criança se não tiver ajudas. A questão já não se coloca só para as classes baixas: nas classes médias há algumas apostas para ter crianças, mas são famílias com apoio.

A melhoria salarial levará alguns anos. Apostar nessa rede de apoios seria mais eficaz?

A pedra de toque, pelos estudos que têm sido feitos, é a existência de creches fiáveis e comportáveis com os salários. Hoje, o acesso não é fácil e, além disso, as pessoas cada vez mais têm critério na escolha: querem saber que deixam os seus filhos em sítios onde são bem tratados, com um projeto, não lhes serve qualquer coisa. No fundo, quem vai decidir é a mulher: é ela que vai ter de amamentar, de dispensar parte do seu tempo. Se a situação for precária, não vai colocar em risco o lugar que encontrou para ter um filho e sem saber se vai ter condições para pagar uma boa creche.

A diferença salarial entre homens e mulheres pesa?

Sem dúvida. As mulheres sentem que precisam de investir muito mais e que não vão poder dar prioridade aos filhos – algumas empresas nem o aceitam.

Em 2010 ainda nasciam mais de 100 mil crianças no país e 2017 foi o sexto ano consecutivo em que nasceram menos de 90 mil. São menos 10 mil crianças por ano. Para a dimensão da quebra, este tema devia estar mais presente? 

É um processo difícil de contrariar e vai ter efeitos a curto prazo ao nível dos descontos para a Segurança Social e da receita fiscal. Vamos ter menos população ativa e um topo da pirâmide etária cada vez mais alargado. O desequilíbrio acentua-se cada vez mais e mesmo que estas famílias conseguissem fazer um esforço muito grande para pôr duas crianças no mundo, que é o que repõe as gerações, não seria suficiente para reequilibrar a população.

Está calculado quantos filhos seriam necessários?

Não, ainda ninguém se dedicou a isso. Seria preciso também uma política de fixação de migrantes, quando perdemos migrantes e população mais jovem foi para fora. Temos cada vez menos jovens cá para ter filhos e, se estão retraídos para os ter, mais difícil ainda. Toda a sociedade devia proteger o nascimento de uma criança, mas não é isso que acontece. E, respondendo, não tem sido assim tanto discutido. O Partido Socialista quase não fala no assunto. O partido que mais falou foi sempre o CDS. Em 2014 houve uma comissão que propôs reformas, mas não mudou grande coisa. Penso que o que está instituído não é mau – por exemplo, o pai poder substituir a mãe na licença e ser obrigado a ficar 15 dias em casa. São boas medidas, mas não mudam o horizonte. Do ponto de vista político, deveria haver muito mais atenção para isto.

Mais benefícios fiscais ajudariam?

Sobretudo para quem tem mais filhos. Não se entende como é que um segundo filho não entra no IRS de uma família logo como benefício, por exemplo, em termos de deduções. A base da pirâmide está de tal forma descascada que isto vai ficar marcado muito tempo.

Era previsível uma queda de natalidade tão abrupta?

Não. 1,3 crianças por mulher era um valor que há 20 anos não se pensava atingir, seria algo absurdo. 

Ana Alexandre Fernandes
Demógrafa
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – NOVA