Um Governo que regateia e depois cede

Numa semana dominada por reivindicações na área da Cultura, depois de serem conhecidos os subsídios governamentais que deixaram à míngua diversas entidades bastante reputadas – nomeadamente no teatro -, devo dizer que não fiquei nada surpreendido com estas reações.  A Cultura é desde há muito considerada uma coutada da esquerda. E os seus agentes reivindicam…

Numa semana dominada por reivindicações na área da Cultura, depois de serem conhecidos os subsídios governamentais que deixaram à míngua diversas entidades bastante reputadas – nomeadamente no teatro -, devo dizer que não fiquei nada surpreendido com estas reações. 

A Cultura é desde há muito considerada uma coutada da esquerda. E os seus agentes reivindicam uma superioridade intelectual decorrente das suas opções políticas de esquerda, alimentada por inúmeras e sistemáticas promessas eleitorais. Ora, depois de António Costa dizer na campanha de 2015 que o PS teria a Cultura como área prioritária, as expectativas eram altas – e, como se viu, absolutamente infundadas.

A realidade nacional impôs-se mais uma vez. A manta é curta, ou seja, a tutela do Ministério das Finanças é férrea e há prioridades maiores para o Governo do que alimentar este setor da vida nacional. 

Com um Orçamento total de 72,5 milhões de euros para o quadriénio 2018/21, já depois dos reforços recentes prometidos (dos quais cerca de 45% para o teatro, 9% para as artes visuais e 23% para a música e cruzamentos disciplinares), o resultado foi que ficaram de fora importantes organizações nestes setores, para não falar em distritos como Coimbra ou Évora que não têm apoios nenhuns. No teatro, por exemplo, há 39 estruturas de fora. 

A Secretaria de Estado da Cultura é o bombo da festa – e, como os agentes culturais têm fácil acesso aos media, tem sido um ver-se-te-avias. Os reivindicativos pensam: «A nossa esquerda cultural atraiçoada por um Governo de esquerda? Vamos fazer barulho porque sabemos que este Governo detesta reivindicações públicas e certamente acabará por ceder!». 

Com canal aberto nas televisões, tem sido um tempo de antena muito bem utilizado por este setor. Uma coisa é certa: para a Cultura, o dinheiro não chega nunca, com a agravante de, neste caso, ter havido um concurso em que muitas premissas eram aberrantes ou impossíveis de ser atingidas. 

A verdade é que Centeno abriu mesmo os cordões à bolsa – e de lá saíram esta semana, à última da hora, mais 2,2 milhões de euros para calar as reivindicações. Se isto não sucedesse, eu ficaria altamente surpreso. Mas o que me faz mais confusão é não perceber por que o dinheiro não foi dado desde o início, se afinal havia margem para o fazer. 

Estas estratégias governamentais de minguar para negociar e depois ceder não abonam em nada os envolvidos. E quando estes são governantes, fica a ideia de todo o país ser regateiro. 

Entretanto, Rui Moreira, como autarca do Porto, já recebeu estas lutas e aproveita a maré, convocando os agentes culturais da cidade. Bloco e PCP apoiam, como é evidente. Quanto a Medina, deve aguardar autorização de Costa para saber o que há de fazer em Lisboa, entalado entre uma autarquia com maioria de esquerda e um Governo liderado pelo seu antecessor na Câmara. 

Para se ver como a Cultura anda agitada, vemos a Sociedade Portuguesa de Autores a reclamar, de forma totalmente legítima, contra a transformação legislativa (apoiada pela maioria de esquerda) de uma Lei que permite despenalizar o uso comercial de conteúdos protegidos. Ou seja, a utilização pública com fins comerciais de gravações áudio e vídeo deixa de constituir crime de usurpação e passa a ser objeto de contraordenação. Apenas o PSD votou contra, deixando os autores e o Direito de Autor desprotegidos. Muito a sério, como é possível uma esquerda votar a favor disto?

P.S. – A semana não podia acabar sem uma notícia que parece uma anedota sobre os sindicatos da Polícia! Em 2017 havia 16 sindicatos, com 3680 dirigentes e delegados, dos quais 3 sindicatos tinham mais dirigentes que associados. Todos estes dirigentes e delegados têm direito a folgas – e, segundo dados publicados em Março de 2018, houve mais de 36 mil dias de folga! Embora se saiba que isto não pode continuar assim, existe no prelo uma nova lei para alterar o sistema, que está por aprovar no Parlamento há um ano. Mas como PS e PSD não se entendem, a bagunça continua. Comentários para quê? Um pagode, com o Zé Povinho a pagar!