Síria. Da promessa ao arrependimento

Os generais americanos sentem-se pressionados pelo presidente, mas temem as consequências. Washington e Paris têm provas dos químicos

Os mísseis americanos ainda não foram disparados, os dos franceses, tão-pouco, e no Reino Unido ainda se espera por saber o que pensam os deputados da ideia de um ataque coligado contra o regime sírio de Bashar al-Assad. O clima, em parte, mudou. Passado um dia das ameaças bombásticas do presidente americano, a palavra de ordem era outra: a da contenção. Donald Trump escreveu no Twitter que os mísseis podem ser disparados “em breve”, ou “de todo em breve”, o que não revela muito, e o seu secretário da Defesa, Jim Mattis, constatou horas mais tarde no Congresso o que muitos já sabiam: “Queremos impedir o assassinato de pessoas inocentes. Mas a um nível estratégico, trata-se de saber como é que podemos garantir que isto não fica descontrolado… se é que me entendem.”

A dúvida desta quinta – e a dos outros dias – era saber se o presidente americano o entende. Trump prometeu na quarta-feira mísseis que até à noite ainda não haviam chegado e podem nunca chegar. A liderança militar e o presidente dos EUA reuniram novamente esta quinta para tentarem perceber que tipo de retaliação militar podem lançar contra Assad que não provoque demasiado os seus aliados russos e iranianos e, pelas tabelas, crie condições para um conflito generalizado, imprevisível e possivelmente cataclísmico. De acordo com o “New York Times”, os generais americanos sentem-se encurralados pelas promessas online de Donald Trump e afirmavam que uma solução possível que evite um confronto mais direto com a Rússia e Irão será a de distribuir encargos pelos europeus. Se é verdade que Trump quer avançar, dizem, o melhor é fazê-lo numa coligação alargada. 

A coligação limita-se por agora à França e Reino Unido e os dois parceiros ainda parecem indecisos. O presidente francês Emmanuel Macron deu esta quinta um passo na direção da resposta militar a Assad ao anunciar que está na posse de provas de que o ditador sírio atacou os arredores de Damasco no fim de semana com armas químicas – a estação televisiva americana NBC afirmava também que os serviços de informação americanos receberam também análises de urina e sangue de vítimas e feridos que indicam a presença de gás cloro e um agene nervoso não identificado. Macron não detalhou as provas nem prometeu bombardeamentos. Pelo menos agora. Isso acontecerá “no momento certo”, afirmou à rádio. 

May reuniu-se esta quinta-feira com o seu governo, mas nada anunciou de novo. Em Londres, contudo, dificilmente se tomarão decisões até segunda-feira, dia de debate em Westminster. A coligação parece acabar aqui. Esta quinta, a chanceler alemã recusou oficialmente qualquer participação alemã numa retaliação militar contra Assad, mesmo considerando que o uso de armas químicas contra civis é “inaceitável”. Berlim, em todo o caso, nunca entrou na equação  do eixo ocidental. A sua história recente retira-a de soluções militares – participa na campanha aérea contra o Estado Islâmico, sim, mas apenas numa função técnica. 

A Rússia descrevia esta quinta-feira a trajetória inversa. Se no governo norte-americano ganhava terreno o arrependimento, no Kremlin, possivelmente como uma nova estratégia de dissuasão, venciam as ameaças. Vassily Nebenzia, o diplomata russo nas Nações Unidas, afirmava que, neste momento, “não se pode excluir nada” graças “às tiradas belicosas de Washington”. Na Síria, os meios russos encontram-se ainda refugiados: os barcos, longe da costa; os caças, concentrados na base aérea e naval de Latakia, protegidos pelas sofisticadas baterias antiaéreas S-400. No lado russo e iraniano, de resto, formava-se também uma aliança de militar de possível combate aos aliados ocidentais. Esta quinta-feira à noite, Pequim anunciou exercícios militares com munições reais no Estreito de Taiwan, numa manobra que o “South China Morning Post” afirmava que era simultaneamente um alerta ao território rebelde e uma manifestação de apoio à Rússia.