Vítimas e lesados dos incêndios à espera da votação do parlamento

Caso as candidaturas para os apoios para agricultores não sejam reabertas, as associações vão avançar com queixa contra o Estado

As associações que representam as vítimas e os lesados dos incêndios de 15 de outubro vão decidir hoje se vão avançar com queixas contra o Estado.

Todos os partidos vão levar esta sexta-feira a plenário a discussão e votação de 24 diplomas – dos quais sete são projetos de lei e 17 são recomendações – que preveem alterações aos apoios do Estado, o agravamento das penas do crime de incêndio florestal, novas políticas de proteção civil ou alterações nas regras de reflorestação das áreas ardidas.

Há três projetos (do CDS, do PCP e d’Os Verdes) que merecem especial atenção da Associação de Vítimas do Maior Incêndio de Sempre em Portugal (AVMISP) e do Movimento Associativo de Apoio às Vítimas dos Incêndios de Midões (MAAVIM), que recomendam ao governo que abra uma nova fase de candidaturas aos apoios dos agricultores afetados.

Caso estes diplomas não sejam aprovados, as associações avisam que vão avançar com queixas crime contra o Estado. “A justiça ainda não foi criada na agricultura e recebemos muitas queixas de associados”, disse ao i o presidente da AVMISP, Luís Lagos. Isto porque, continua, “há pessoas que não conseguiram submeter as candidaturas porque não estavam cá e porque o prazo foi curto”. As candidaturas estiveram abertas entre 9 de novembro e 22 de dezembro.

Além disso, lembra Luís Lagos, quase no final do prazo, a 16 de dezembro, o governo anunciou que o valor máximo de prejuízo elegível para o apoio duplicava: passando de 400 mil euros para 800 mil euros. Desta forma, todas as pessoas que submeteram as candidaturas antes do anúncio do governo e “que tinham danos superiores a 400 mil euros acabaram por fazer a candidatura com esse valor porque o prazo terminava a 22 de dezembro”, explicou Luís Lagos. E “essas pessoas agora querem candidatar-se novamente”, de forma a corrigir o valor do seu prejuízo. “É fundamental a abertura de uma nova fase de candidaturas senão a alteração não serviu para nada”, remata o presidente da AVMISP.

Em março, o ministro da Agricultura, Luís Capoulas Santos, fez saber que não vai reabrir as candidaturas para os agricultores afetados mostrando apenas disponibilidade para apreciar reclamações.

É por isso que as associações estão a “aguardar decisões” e a votação dos partidos, apesar de os diplomas não terem força de lei. “Caso não seja resolvido vamos tomar decisões”, remata Luís Lagos, avisando que a associação pondera “recorrer à via judicial”.

A mesma posição tem o Movimento Associativo de Apoio às Vítimas dos Incêndios de Midões (MAAVIM), liderado por Fernando Tavares Pereira. “Vamos aguardar a votação para decidir se avançamos com queixa contra o Estado”, frisa o empresário de Midões. Isto porque, “há milhares de pessoas” lesadas “e o governo não quer cumprir com os deveres do Estado e pagar prejuízos a quem os teve”, remata Fernando Tavares Pereira.

Além da queixa coletiva contra o Estado, o movimento cívico de Midões está prepara outro processo: uma queixa contra as autarquias. “Quando os bombeiros chegaram às povoações para combater os incêndios e tentaram ligar as mangueiras, as bocas de incêndio não tinham água. Os municípios foram avisados para a falta de limpeza de terrenos em casas dentro das povoações”, diz. Os alertas que foram dados às câmaras “há dois anos” e “nada foi feito”.

Este movimento de cidadãos quer ainda ver resolvida a falta de apoios para as segundas habitações, para as quais o governo já fez saber que não haverá qualquer tipo de ajuda. “Há cerca de 5 mil segundas habitações ardidas e sobre isso estamos a preparar um processo para pedir responsabilidade ao Estado para que, pelo menos, haja o apoio à reconstrução dos telhados, das janelas e das placas das casas que são património antigo em aldeias”, diz Fernando Tavares Pereira, para quem o apoio às segundas habitações “tem que ser visto com muito cuidado senão ficamos com povoações como zonas de guerra, todas destruídas que é o que está a acontecer”.

Já a Associação de Vítimas do Maior Incêndio de Sempre em Portugal diz que levou este assunto ao primeiro-ministro, reconhecendo, no entanto, que o apoio às segundas habitações “não pode ser prioritário” perante a perda de primeiras habitações. “Mas não nos esqueçamos que as casas de segunda habitação têm um efeito extraordinário na região porque vem mais gente na altura das festas, na altura do natal e na altura da Páscoa e em territórios de baixa densidade demográfica isso é a luz ao fundo do túnel. É mais atividade económica e capacidade de crescer”, sublinha Luís Lagos.

O representante salienta ainda que, em média, o apoio do Estado para rechear as primeiras habitações não ultrapassa os 2.700 euros, considerando o valor como “manifestamente pouco” tendo em conta que “as pessoas perderam tudo”.

Os representantes das vítimas tecem críticas à demora dos apoios, dizendo que “tudo podia ser mais rápido”. Luís Lagos nota que no “início houve insensibilidade da parte do governo para nos ouvir e para perceber o que estava mal. Existiu a política da avestruz, a de meter a cabeça debaixo da terra e pensar que aquilo que estávamos a verbalizar publicamente não correspondia à verdade e foi preciso um grande esforço das vítimas para ir demonstrando a quem decide que era preciso fazer mais e melhor”.