A essência do PCP e a ‘geringonça’

E isto faz-se organizando manifestações, promovendo greves, reclamando regalias. Ora, foi essa ‘essência’ que o PCP pôs em causa quando se formou a ‘geringonça’.

No seu artigo de há duas semanas no SOL, Manuel Boto dizia que a luta social era a essência do PCP.

«O PCP quer começar (e sabe que tem de) a fazer um caminho autónomo para sobreviver, agregando as suas hostes em lutas; no fundo, a essência da sua existência». 

De facto, depois da débacle do comunismo, a razão de ser do PCP é lutar pela melhoria das condições de vida e pelos direitos dos trabalhadores.

E isto faz-se organizando manifestações, promovendo greves, reclamando regalias. 

Ora, foi essa ‘essência’ que o PCP pôs em causa quando se formou a ‘geringonça’.

O PCP renunciou à luta contra o poder, suspendeu as manifestações e as greves, foi cúmplice de certas medidas do Governo socialista que, noutras circunstâncias, combateria com vigor (como os muitos  milhões gastos na capitalização dos bancos).  

Por isso, perdeu imensos votos nas eleições autárquicas.

Perguntar-se-á: mas tudo o que aconteceu não era previsível? Era.

Só que, a partir do momento em que o BE se disponibilizou a viabilizar o Governo de António Costa, o Partido Comunista ficou entre a espada e a parede.

Tendo o PS 86 deputados e o BE 19, o PCP era necessário para a esquerda ter maioria no Parlamento.
Se não entrasse na ‘geringonça’, seria acusado de estar feito com a direita.

De querer eternizar a permanência da direita do poder.

 Perante isto, o PCP não teve outro remédio senão participar.

Só que a experiência revelou-se péssima: o PS ganhou votos e o PCP perdeu-os.

Assustados com o resultado das autárquicas, os comunistas regressaram à luta, voltaram à rua, à contestação – embora ainda timidamente. 

Sucede que, a partir das próximas eleições legislativas, as razões que o PCP tinha para viabilizar o Governo socialista deixarão de existir. 

A quase certa vitória do PS, com ou sem maioria absoluta, dispensará o apoio do Partido Comunista.
O PCP deixará de ter ‘pretexto’ para ser cúmplice do PS.

E, por isso, regressará à sua ‘essência’.

Voltará à oposição.

E mais: ficará sozinho na oposição, porque o BE quererá continuar como bengala do Governo.
O BE vive hoje do poder. 

Alimenta-se do poder.

A relevância de Catarina Martins, o ar importante com que fala, vem-lhe do facto de, na prática, estar no poder.
De ter via aberta para negociar com o Governo e fazer-lhe exigências.

Como partido de protesto, o BE não teria metade da influência.

E Catarina Martins não teria metade da importância.

Escrevi há semanas, a propósito do fantasma do ‘bloco central’ levantado pela eleição de Rui Rio para a liderança do

PSD, que depois das próximas eleições legislativas o PS quereria continuar aliado à esquerda, e rejeitaria acordos com a direita.

Como se sabe, António Costa já o confirmou.

Porque é a esquerda que lhe garante a paz social.

Claro que, se o PCP na próxima legislatura passar à oposição, a agitação aumentará.

Mas o apoio do BE ao Governo será sempre uma florzinha no chapéu.

Enquanto uma aliança do PS com o PSD poria toda a esquerda a ferro e fogo, um acordo do PS com o BE terá algum efeito apaziguador.

Até porque os socialistas poderão dizer que o PCP não entrou no acordo porque não quis.

Depois das próximas eleições, ganhando com ou sem maioria absoluta, António Costa fará uma aliança com o Bloco de Esquerda – e o PCP ficará de fora.

É isto que prevejo.

A grande luta será à direita, com o CDS a querer cavalgar sobre o PSD e este a resistir.

É curioso pensar que, em tempos, o PSD e o CDS entendiam-se – e o PS estava isolado à esquerda.

Nos próximos tempos, o panorama será o contrário: o PSD e o CDS em disputa aberta na direita – e o PS confortavelmente instalado na esquerda, em conúbio com o BE.

Na política portuguesa o vento mudou 180º.

P.S. – A polémica sobre os subsídios à Cultura revelou mais uma vez a verdadeira natureza de António Costa: a culpa nunca é dele, é sempre de outros. Quando as coisas aqueceram na Cultura, com os protagonistas a acusarem o Governo de os ter enganado, Costa pôs de lado o ministro, interessou-se pelo assunto, e anunciou mais 2,2 milhões de euros em subsídios. Ou seja: Centeno e Castro Mendes eram os maus, ele é o bom. Já tinha acontecido o mesmo noutros casos – desde a abortada administração da CGD, em que Centeno foi entalado e acusado de mentir, até aos incêndios, em que a ministra Constança foi o bode expiatório. Assim até dá gosto ser primeiro-ministro…