Benfica – FC Porto 1958 e aquela feia mancha branca!

Durante mais de 20 anos foi um combate de golos: 8-0, 7-0, 6-3, 7-2, 5-3 e até 12-2. E, de repente, em novembro, tudo em branco.

Pode dizer-se que tudo começou, a sério, em 1931, no Campo do Arnado, em Coimbra. Foi aí que Benfica e FC Porto se defrontaram pela primeira vez num jogo oficial, neste caso a final do Campeonato de Portugal, a prova que antecedeu a Taça de Portugal. Vitória do Benfica por 3-0, com um golo de Augusto Dinis e dois do grande Vítor Silva, o playboy do futebol da época, avançado finíssimo e ágil cuja especialidade eram os golos de cabeça, em voo, pelo meio das pernas dos defesas adversários.

Daí para cá tem sido um nunca acabar de confrontos entre ambos os rivais, agora cada vez mais inimigos do que rivais, tendo em conta que o nosso futebol recuou até à idade da pedra tantas são as acusações bacocas e as tranquibérnias que nos entram pela casa adentro mal se liga o aparelho outrora mágico da televisão.

Mas traz-me hoje aqui um motivo especial e um jogo especial. É que tivemos de esperar mais de duas décadas para que um zero-a-zero, nulo irritante e sensaborão, viesse contradizer a natureza goleadora de um clássico que teve, no entretanto, momentos mais do que épicos.

E antes de irmos até esse maldito domingo de 10 de novembro de 1958, recordo que houve alguns Benfica-FC Porto-FC Porto-Benfica quase inacreditáveis. Querem ver?

Logo em 1933, nos quartos-de-final do Campeonato de Portugal, primeira mão, no Porto, vitória dos azuis e brancos por 8-0. Era de escacha! E apenas o quarto desafio entre ambos. Vingou-se a Águia: as três goleadas seguintes pertenceram-lhe – 5-1 no Campeonato Nacional de 1936; 6-0 na época seguinte, para a mesma prova; 7-0 na segunda mão dos quartos-de-final doCampeonato de Portugal de 1938. A resposta foi um bocado à bruta. No ano de 1939, espancaram-se um ao outro nas meias-finais da Taça de Portugal: FC Porto, 6 – Benfica, 1; Benfica, 6 – FC Porto, 0. Voaram mosquitos por cordas. Incapazes de aceitar a reviravolta na eliminatória, os portistas abandonaram o campo. Valia na altura o procedimento ser vulgar. Não havia castigos para desplantes do género. Seguia a marinha tal como aportara.

Doze!

O 12-2 que o Benfica aplicou ao FCPorto no dia 7 de fevereiro de 1943 ficou para os anais dos golos marcados. Jogava-se a 5.ª jornada do campeonato e nunca mais nenhum outro jogo entre os dois atingiu resultado sequer parecido.

Apesar disso, Benfica e FC Porto jogavam o jogo dos golos: Benfica, 6 – FC Porto, 3 – Campeonato Nacional, 1944; FC Porto, 4 – Benfica, 3 – Campeonato Nacional, 1944; Benfica, 7 – FC Porto, 2 – Campeonato Nacional, 1945; FC Porto, 4 Benfica, 3 – Campeonato Nacional, 1949; FC Porto, 5 – Benfica, 2 – Campeonato Nacional, 1950; Benfica, 5 – FC Porto, 0 – final da Taça de Portugal, 1953; FC Porto, 5 – Benfica, 3 – Campeonato Nacional, 1954. Eram como se fossem dois boxeurs encostando-se às cordas, os golpes de um tendo imediata resposta do outro.

Subitamente, o FC Porto soma quatro vitórias consecutivas, algo que nunca acontecera na história dos combates: três para o campeonato – 3-0 e 1-0 no Porto; 3-2 em Lisboa; 1-0 na final da Taça de Portugal de 1958.

Lá está: o amaldiçoado ano de 1958. O primeiro jogo em branco! Assim mesmo, com ponto de exclamação.

No dia 10 de novembro, no Estádio das Antas, defrontavam-se igualmente dois treinadores fundamentais do futebol em Portugal: Otto Glória (Benfica) e Béla Guttmann (FC Porto). O húngaro, que trocaria de clube na época seguinte com os resultados que se conhecem, acabara de substituir Yustrich.

Avance-se com a nota: o FCPorto foi campeão nesse ano.

E outra ainda: para os portistas, esse foi o campeonato do Calabote (prolongou o último jogo da prova, Benfica-CUF, vários minutos com o Benfica a precisar de marcar um golo para ser campeão); para os benfiquistas esse foi o campeonato do Guiomar (expulsou dois jogadores no Torreense-FC Porto e, depois disso, o FC Porto marcou dois golos que o alcandoraram ao título).

Deixemos isso por agora.

Havia uma ambiente de festa nas Antas. Milhares de benfiquistas tinham ido de Lisboa, muitos de avião, assinalava a imprensa. E as equipas alinhavam:

FC PORTO – Pinho; Sarmento e Barbosa; Pedroto, Arcanjo e Monteiro da Costa; Carlos Duarte, Gastão, Osvaldo Silva, Teixeira e Hernâni.

BENFICA – Costa Pereira; Hilário e Ângelo; Neto, Artur e Alfredo; Chino, Coluna, Águas, Mendes e Cavém.

«Passados cerca de dez minutos a equipa do FC Porto parece ter já adquirido a sua costumada velocidade e um lance rapidíssimo e vistoso sobre as redes de Costa Pereira é conduzido com uma cabeça de Hernâni a fazer passar a bola rente ao poste».

Hernâni: o Furacão de Águeda.

«Pinho, na tentativa de salvar a sua baliza de situação difícil, choca com dois adversários ficando prostrado no terreno. O guardião portista recompõe-se mas a sua baliza volta a ser a mais ameaçada e Mendes tem um remate atirado do lado direito que leva a bola a bater na barra quando Pinho já não podia intervir».

A isto se chamavam os relatos.

Relatos escritos, claro!

Extraordinária emoção!

Foi assim que se registaram as incidências desse zero-a-zero maldito, o primeiro da história oficial dos clássicos.
Teixeira surge isolado face a Costa Pereira mas desperdiça a oportunidade.

O Benfica quebra a iniciativa adversária a partir da meia-hora.

A situação equilibra-se.

Osvaldo Silva tem, na cabeça, a possibilidade de abrir o marcador. É infeliz.

Aos 35 minutos, Mendes lança-se a despropósito sobre o guarda-redes Pinho. O árbitro veio de Leiria e chama-se Reinaldo Pinto. Expulsa o benfiquista com um gesto autoritário.

Lembrem-se: ainda faltavam uns anos para surgirem os cartões.

O FC Porto quer tirar proveito da superioridade numérica, mas a defesa e o meio-campo dos lisboetas parece feito de ferro galvanizado.

Hernâni reclama penálti de Cavém.

«Os últimos minutos são emocionantes. O Benfica agiganta-se no desejo de não perder e o Porto ataca desesperadamente mas em vão. No final: Porto, 0 – Benfica, 0». Pela primeira vez.