Guerra nos preços empurra companhias para o abismo

O céu está a ficar pequeno para tantos aviões. O aumento da concorrência abriu uma guerra de preços e de mão de obra. Há cada vez mais falências e passageiros a ficar em terra.

O cancelamento de vários voos da TAP e os problemas que se viveram com a greve na Ryanair trouxeram muitos problemas a centenas de passageiros. No caso da companhia nacional, a postura dos pilotos é para continuar. Quiseram mostrar que, se cumprirem o horário, não é possível fazer todas as ligações da companhia e conseguiram. Já na Ryanair, os problemas dos tripulantes de cabine levaram a três dias de greve e o cenário pode repetir-se. Uma paralisação que pode até revestir-se de uma situação europeia. No entanto, não é apenas a nível nacional que os problemas acontecem. O setor da aviação atravessa um período de crescimento, mas nem todas as companhias conseguem tirar partido do aumento do número de turistas. Até porque assistimos, atualmente, a verdadeiras guerras entre transportadoras por causa da mão de obra. 

Em setembro do ano passado,  a Ryanair era notícia pelo cancelamento de vários voos. Com mais de 18 mil ligações a serem fortemente afetadas, a low cost dava conta de que se encontrava a braços com a redução do número de aviões disponíveis no período de inverno. Mas a verdade é que não era apenas o número de aeronaves que preocupava a companhia aérea. No topo dos problemas da Ryanair estava também o êxodo de pilotos para transportadoras concorrentes: só a Norwegian roubou, de uma vez só, 140 pilotos ao grupo. E esta não era, aliás, a primeira vez que a companhia norueguesa recrutava pilotos à concorrência. 

A guerra das low cost

A Ryanair decidiu, no final do verão de 2017, reduzir 40 a 50 voos por dia durante seis semanas, até ao final de outubro. A ideia, de acordo com a companhia aérea, era conseguir melhorar a pontualidade. No entanto, a maioria das vozes que se levantaram diziam ser apenas uma desculpa da companhia aérea de baixo custo, que perdeu cerca de 140 pilotos para outra companhia.

O presidente executivo da Ryanair, Michael O’Leary, apressou-se a dizer que o problema com os pilotos tinha a ver com uma falha no planeamento de férias e garantiu que não faltavam trabalhadores,  mas a concorrente Norwegian Airlines prometia continuar a fazer mossa. De acordo com o porta-voz desta transportadora aérea, «é um fenómeno que ainda se vai prolongar». 

A verdade é que os próprios pilotos dizem ser impossível «haver aviação sem aviadores» e é com isto em mente que a pressão tem aumentado em várias companhias aéreas um pouco por todo o mundo. 

A própria história tem mostrado que ser grande nunca foi suficiente para impedir a queda. No ano passado, a Monarch Airlines abriu falência, depois de ficarem a ser conhecidos problemas em algumas outras companhias como a Ryanair, a Alitalia ou a Air Berlim. A companhia aérea britânica Monarch Airlines, por exemplo, foi criada em abril de 1968 e contava já com quase dois mil trabalhadores. No entanto, de um dia para o outro, a empresa viu-se forçada a anunciar a falência. De acordo com o CEO da Monarch Airlines, a queda da empresa esteve diretamente ligada ao esmagamento de preços. 

Em entrevista ao programa Today da BBC Radio, o CEO da transportadora aérea, Andrew Swaffield, explicou que a guerra entre as transportadoras aéreas para transportar passageiros para destinos como Portugal foi um dos principais motivos da falência. Para o CEO era importante destacar que os graves problemas da empresa começaram entre 2010 e 2012, altura em que milhares de turistas começaram a fugir de destinos como Egito, Tunísia ou Turquia.

Além disso, tendo em conta a informação do site anna.aero, a concorrência em muitos dos destinos passou a ser cada mais forte. A Thomson, por exemplo, servia diretamente mais de 60 das 104 rotas da companhia aérea. 

«Os voos estavam a ser encurtados para um menor número de destinos e a redução de 25% dos preços dos bilhetes nas nossas rotas criou um desafio económico massivo na nossa rede de curta distância», justificou Andrew Swaffield.
Com muitos a reclamarem que se assiste a uma crise no setor, o regulador britânico reagiu e afastou este cenário. «A indústria tem estado muito ativa e ao longo deste ano o número de passageiros tem crescido, as companhias aéreas têm tido um desempenho muito bom e os aeroportos têm reportado números recorde de passageiros», esclareceu a CAA. 

Ainda assim, a verdade é que a situação desta companhia aérea britânica veio juntar-se a outras que viram as contas complicarem-se. Recentemente, tanto a Air Berlin como a Alitalia anunciaram igualmente que tinham entrado em insolvência. Os problemas invocados por estas transportadoras estavam igualmente relacionados com as férias dos pilotos, que também têm dado que falar na Ryanair e na TAP.

A Alitalia, por exemplo, apresentou prejuízos durante vários anos e executou diversas reestruturações. No entanto, foi incapaz de competir com as companhias aéreas low cost na Europa. Apesar da entrada da Etihad Airways (dos Emirados Árabes  Unidos), a companhia de bandeira italiana não conseguiu recuperar a saúde financeira.

Já a Air Berlin encerrou o exercício de 2016 com prejuízos de 781,9 milhões de euros, tendo arrancado 2017 com um resultado líquido negativo de 293,3 milhões de euros. A verdade é que não é assim tão estranho ver uma low cost desaparecer de um dia para o outro, assim como não é invulgar começar a ver outras companhias aéreas a lutar pela sobrevivência. No setor, a história já provou que até uma grande marca pode morrer. 

A Pan American World Airways, por exemplo, chegou a ser a companhia mais famosa do mundo. Mas a realidade transformou-se e mudou o caminho que a companhia fez durante anos. Em 1991, o que parecia ser impossível, aconteceu: a companhia faliu. Na esperança de conseguir reviver o passado glorioso da transportadora, um grupo de interessados resgatou-a. A tentativa fracassou. A companhia voltou a renascer em 2015, pela terceira vez, mas para ser uma operadora de voos VIP.

Também a queda da Swissair, símbolo de orgulho nacional, foi um choque para muitos. Em outubro de 2001, aconteceu o impensável. Os aviões tiveram de ficar nas pistas, não havia dinheiro para pagar as coisas mais simples, como por exemplo as taxas aeroportuárias. A companhia viria a renascer. Em 2002, aparecia a Swiss. Mas os primeiros anos foram tão difíceis que a companhia acabaria por ser obrigada, em 2005, a integrar o grupo Lufthansa.

Greve nos aeroportos

Também o grupo Lufthansa tem enfrentado problemas que obrigaram centenas de passageiros a ficar em terra esta semana. Uma greve em quatro aeroportos da Alemanha obrigaram ao cancelamento de mais de 800 voos em apenas um dia.

No entender da empresa, a ação de protesto é «inaceitável». Já o sindicato alemão do setor de serviços Verdi considera que se trata da melhor forma de fazer pressão nas negociações de um contrato coletivo de trabalho. O que está na base é o pedido de aumentos salariais, na ordem dos 6%, para 2,3 milhões de trabalhadores. 

Outro dos pontos que tem chamado a atenção dos passageiros tem a ver com a bagagem. É nestes preçários que as companhias aéreas também tentam ganhar algum poder de encaixe. Também aqui, a Lufthansa tem tentado seguir os modelos das companhias de baixo custo. Este mês, ficou conhecida a intensão de cobrar pela bagagem que é despachada nos voos entre a Europa e os EUA. 

Apesar de ainda não ser conhecido o tarifário que a empresa vai passar a aplicar, sabe-se que estão a ser pensadas formas de estabelecer preços que estejam na linhas das companhias concorrentes. Também a TAP adotou recentemente um novo modelo de cobrança de bagagens de porão.