Malditas grávidas

No emprego, engravidar é quase um crime. E se for uma gravidez de risco, a futura mãe é promovida a assassina em série.

A lgumas grávidas andam por aí a pavonear-se de sorriso estampado no rosto, a ostentar as suas grandes barrigas e a irritar meio mundo.

Numa fila de supermercado ver uma grávida causa incómodo. A maioria das pessoas desvia rapidamente o olhar com medo de ter de ceder a vez. Outros reclamam: «Era só o que faltava! Grávida, cheia de vida e ainda tem privilégios?». Quase ninguém entende que algumas grávidas possam ter dificuldade em permanecer de pé algum tempo ou que até possam correr riscos se o fizerem. Em parte porque mesmo as que estão bem querem usufruir do seu reinado com o pacote completo de privilégios a que têm direito.

Em alguns serviços que geram desespero só por si, como a Segurança Social, as Finanças, conservatórias e afins, ainda pior. Ver uma grávida é como ver o diabo e quando a senhora do guichê lhe dá prioridade começa a exaltação. 
Já no trabalho, engravidar é praticamente um crime. «Resolveu engravidar só para tirar uns meses de férias e deixar-nos aqui com a pastilha». Se se tratar de uma gravidez de risco e tiver de ir para casa uns meses antes é promovida a assassina em série. «De certeza que ela não tem nada, vai para casa para o bem-bom e nós que nos aguentemos».

Mas não é só quando a grávida implica mais espera ou mais trabalho aos outros que causa incómodo. Por vezes até no círculo de amigos é difícil aceitar uma grávida feliz. Sobretudo as amigas, sem darem por isso, fazem contas à vida: algumas ainda não tiveram filhos, outras já não vão ter e outras têm simplesmente dificuldade em lidar com a felicidade alheia. Surgem comentários irrefletidos que vão desde «Estás mais gorda!» a «A Francisca tinha uma barriga muito maior. Oteu bebé deve ser muito pequeno» ou ainda «Isso são gases».

Por vezes, as grávidas parecem despertar uma espécie de cólera mais ou menos contida. Estar grávida é a representação máxima da felicidade, é sinal de juventude e fertilidade, é transportar um tesouro, fruto de uma união especial, e para muitas pessoas isso é difícil de tolerar.

Quando estive grávida pela primeira vez aconteceu uma coisa curiosa. Na rua onde vivia várias pessoas que costumava cumprimentar fingiam ignorar a minha barriga, algumas pareciam até incomodadas e outras evitavam falar no assunto. Para minha surpresa, quando o meu filho nasceu tanto as pessoas que conhecia como outras a quem nunca tinha falado tornaram-se muitíssimo simpáticas e referiam com entusiasmo que tinham acompanhado a gravidez de perto.

Não é o bebé vindouro que arrelia algumas mulheres, é mesmo a comparação com alguém que exala felicidade que não conseguem suportar. Em contrapartida, amigas, colegas e mesmo pessoas estranhas felizes e realizadas têm prazer em partilhar a alegria dos outros.

Um psiquiatra veterano de um hospital onde trabalhei dizia em casos como estes, em que as mulheres se abespinham com a felicidade das outras, uma coisa que não posso reproduzir, mas que tinha que ver com a insatisfação que sentiam numa área específica da sua vida. Por aquilo a que tenho assistido, só lhe posso dar razão.