Tailândia. A terra onde até Buda come Pad Thai

É a terra do buda, dos templos e dos monges. É a terra do picante, do street food e das cores que se comem com os olhos. É a terra do mergulho, das praias e dos cenários que parecem postais. Tailândias há muitas e aqui escrevemos a nossa, na semana em que se comemora, precisamente,…

Aproveitar pontes, gozar folgas, um ou outro fim de semana prolongado e estava feito o descanso do ano. Mas estávamos no fim do verão e faltavam preencher 15 das cruzinhas que pintam o mapa de férias. Peru? Fixe, mas está caro. Bali? Boa, boa, mas não esperes o paraíso que te pintam. Itália? Eh pá, agora tá frio. Passagem de ano fora? Parece-me bem, mas se é para isso que cheguemos a 2018 antes de toda a gente.

Um tetris feito entre orçamentos, dias de férias e meios de transporte dita o destino: Tailândia, numa rota que começa em Banguecoque, passa pelo habitualmente menos conhecido norte do país e com um final inevitável pelas ilhas mais a sul. 

Como bons anfitriões deixaram-nos celebrar o 31 de dezembro à grande, deixando os verdadeiros festejos para este fim de semana, altura em que a quinta lua crescente dita a entrada no ano 2561 – sempre bom lembrar que o calendário tailandês está a 543 anos à frente do calendário gregoriano.

Aviso: o texto é escrito na primeira pessoa, por alguém que viaja de mochila às costas e que, seja qual for o destino, sabe sempre onde vai comer, mesmo antes de saber se tem sítio para dormir. 

Isto para que não venham dizer depois que «estive na Tailândia e não é nada assim», frase com que José Luís Peixoto teve que lidar várias vezes para escrever O caminho imperfeito (obrigatório para quem viaja a oriente).
Esta é a minha Tailândia.

Comer 

Sónia raramente cozinha. «Saio tarde do trabalho e o meu marido não gosta de lavar a loiça», justifica. Todos os dias, é o cansaço e a preguiça a ditar que o jantar chegue a casa numa caixa de plástico. Por 40 Baths – pouco mais de um euro – e mais uma pegada ecológica deixada no planeta, está feito o dia desta guia turística que nos leva até ao centro de Banguecoque.

O tema comida é aquele que funciona como quebra gelo em qualquer situação. Sem ser polémico, dá para falar de preferências, fazer sugestões e criar verdades absolutas. Íamos com algumas, daquelas que dizem que «ali é que se come o melhor Pad Thai da Tailândia» ou que «é naquela esquina que se serve a mais picante das sopas». Mas bastou por os pés fora do hotel e embarcar no primeiro tuk tuk que nos passou à frente para perceber que Banguecoque é uma cidade para ser vivida sem planos.

Pensávamos abrir a viagem com a omelete de caranguejo que deu a estrela Michelin a Jay Fai, uma tailandesa que, aos 72 anos, cozinha na rua com uns óculos de mergulhador para fugir às faúlhas da frigideira. Mas estava full house, como tem estado desde que recebeu a distinção. Como é impossível parar numa cidade sempre em movimento, passamos para dois números ao lado, numa rua onde não há um metro quadrado de passeio sem venda de comida. «Quantos restaurantes de rua existem em Banguecoque?», arriscamos. «Uuuui» é a reação, num revirar de olhos como se aproveitasse aqueles segundos para fazer contas de cabeça. Mais de dez mil de certeza.

Optamos pelo Luang Pa, com menos fila do que a rival mas com igual espetáculo de faíscas a sair de uma frigideira que produz Pad Thai em série. Aqui o prato mais caro não passa os 90 bahts e chega à mesa em forma de especialidade da casa. Os noodles de arroz servidos com camarão e vegetais são o recheio de uma omelete. Não torçam já o nariz. Funciona.

Aliás, esta primeira experiência serviu como um abrir dos sentidos para os quinze dias seguintes. Quinze dias de uma terra onde se comem as cores. No mercado os ovos são cor-de-rosa, os amendoins são servidos cozidos e o café é servido com leite condensado, porque o leite estraga-se com o calor (e porque os tailandeses gostam de doces, sejamos sinceros). Por aqui os morangos crescem no inverno, não se produzem maçãs por causa do calor, o tamarindo pode ser salgado e comem-se mais doces de ovos do que em Portugal (são mesmo gulosos, está visto).

É demasiada informação para absorver de um trago e, por isso, lançamo-nos numa manhã a aprender os truques desta cozinha no Blue Elephant, um restaurante que abre os bastidores a quem queira saber mais sobre os sabores que chegam ao prato.

Numa espécie de «faz o que eu faço», seguimos com o olhar o passo-a-passo do chef para tentar fazer igual. Das nossas mãos saem spring rolls [os conhecidos rolinhos primavera], um caril de camarão e uma salada de papaia, todos feitos com um quinto do picante que vem na receita. O chef ri-se da nossa tentativa pouco tailandesa de cozinhar e garante que, em sua casa, aquela última salada leva pelo menos umas cinco malaguetas e que o seu caril preferido é o vermelho – o mais picante, claro. Aliás, aqui fica uma dica que pode salvar, não digo vidas, mas palatos. O caril pode ser verde, amarelo ou vermelho e o grau de intensidade pode ser lido como se de um semáforo se tratasse. Talvez assim se explique o caos que é conduzir neste país.

Orar 
 

Numa viagem que se quer heterogénea, vá por nós e siga este raciocínio: primeiro cidade, segundo montanha, terceiro praia. Nada como começar por apaziguar o jet lag da viagem numa cidade que nunca dorme como Banguecoque e fazer uma pausa para respirar fundo nas montanhas do norte, isto antes do verdadeiro descanso a sul.

E se é para ir para norte, vamos para o mais a norte possível. Em Chiang Rai, mesmo na fronteira, é possível almoçar com vista para Laos e a Birmânia. Foi o que fizemos logo no primeiro dia, até para aproveitar o facto de venderem a comida desta zona como uma das menos picantes do país. Talvez para quem esteja habituado a cinco malaguetas no prato isso seja verdade, mas para nós continua a ser uma tarefa hercúlea terminar um prato sem pedir mais uma Chang, uma das cervejas locais.

A sorte é que comer à tailandesa significa mesa cheia de vários pratos que cada um vai conjugando a seu gosto. Mas espera, não tínhamos já terminado o capítulo da comida? Vamos então fazer um esforço conjunto para desviar a atenção do caril para nos focarmos no budismo.

A verdade é que os tailandeses não facilitam. Pelo norte, os templos multiplicam-se em cada curva da estrada e as imagens de Buda são quase tão comuns como os terços pendurados no espelho do carro em Portugal. E o que está associado a cada uma dessas imagens? Comida, pois claro. É tão comum ver pratos de comida como velas ou flores junto às imagens de Buda.

As oferendas são comuns e madrugadoras. É de manhã bem cedo que as pessoas preferem entregar aquilo que acham justo a quem faz uma pausa na sua vida para se dedicar à religião. Na Tailândia, o homem tem que ser monge antes de casar, uma condição que deve durar no mínimo três meses, durante os quais está proibido de tocar numa mulher. «Nem na mãe», alerta-nos a guia.

Apesar de regras tão restritas como estas ou de ser proibido entrar num templo de calções, mini saia, decotes ou com os ombros à mostra, os locais de culto na Tailândia podem ter formas tão variadas que até fica no ar a dúvida se alguém vai ali para rezar.

O Baan Dam ou Templo Negro tem linhas escuras e é cercado por árvores que ajudam a criar uma atmosfera sombria. Apesar de ser chamado de templo, este espaço está mais próximo do nosso imaginário de museu, até porque no seu interior estão desde ossadas a peles de animais, dragões, crocodilos dissecados e peças de arte contemporânea.
Para o reverso desta medalha budista, há que visitar o Wat Rong Khun ou Templo Branco, a prova de que entre a religião e o parque de diversões cabe toda uma Tailândia. O tom claro do monumento contrasta com o templo anterior e o cenário rodeado de árvores transforma-se agora numa fila de turistas a lutar pela melhor selfie, até porque motivos para pegar na máquina fotográfica não faltam. 

Para entrar no templo há que passar por quinhentos braços esculpidos em cimento branco, a criar uma imagem de angústia. Lá dentro, as imagens de budas rivalizam espaço com Songokus, Sailormoons, Elvis, Minnions e até um Keanu Reeves numa cena do Matrix. Já Mara – a personificação do Diabo – é pintada na parede com pormenores macabros: dentro da boca está o ataque às Torres Gémeas e nos seus olhos refletem-se as caras de Bin Laden e George W. Bush.

Toda esta overdose de informação visual pede um regresso à boa e reconfortante comida tailandesa [Pedimos desculpa, é mais forte do que nós]. Por sugestão da guia, paramos num restaurante chamado Cabage and Condom. Ainda pensamos que poderia ser uma falha da tradução, ou que os cenários ricos da manhã nos tivessem moldado as expectativas. Mas não. À nossa frente, além de comida, estão verdadeiras obras de arte feitas com preservativos, ao lado de frases como «Our food is guaranteed not to cause pregnancy». 

E pensar que escolhi ‘Orar’ como subtítulo para este ‘capítulo’.

Desfrutar

Depois de dias de mochila às costas, muitas curvas e uma cidade nova a cada dia, chegou a hora de desfrutar da Tailândia dos postais e dos filmes. Ou, pelo menos, era essa a intenção.

Problema: uma adolescência passada quando Leonardo di Caprio se passeava de colar de missangas no filme A Praia, filmado nas ilhas Phi Phi. Apesar de o nosso destino ser outro, não havia como fugir àquele imaginário que nos arrebata aos 14 anos e que aos 31 se depara com a dura realidade.

Primeiro, é meio-dia e estão 40 graus. Segundo, um mosquito já percebeu que há aqui sangue de qualidade para sorver. Terceiro, ao olhar em volta percebemos que as centenas de carrinhos de street food aqui deram lugar a steak houses, burguer corners e english breakfasts. 

Mas vá, ignoremos o primeiro impacto e siga para a praia. Errr…má jogada. Na pouca areia que a maré a esvaziar começa a deixar, o cenário é este: ingleses de pele vermelha, cocktails em happy hour e Despacito como banda sonora.

Afoguemos a mágoa em comida que, ainda assim, aqui nunca desilude. Uma barrigada de buffet vegan é o suficiente para ajudar a que uma boa noite de sono faça o reset para o dia seguinte.

E não é que funcionou? Ao perceber que estávamos numa espécie de Albufeira da ilha, decidimos fazer uma caminhada até outras praias, algo que para um povo pouco habituado a dar mais de dois passos sem recorrer a um tuk tuk é quase inédito. Ver dois cara pálida a calcorrear alcatrão debaixo de sol forte é sinónimo de ter que dizer que não a centenas de táxis que passam a apitar na esperança de nos fazer chegar mais rápido a duas das praias que, apesar de constarem nos guias, são vendidas como «pequenos paraísos». Não são. Na Silver beach mergulhei ao lado de um pacote de noodles vazios e em Lamai Beach é preciso percorrer bastante areal para estender toalha fora da zona de cadeirões dos resorts instalados à beira mar. Mas, e aqui há um grande mas, assim que o sol começa a baixar e os estrangeiros começam a recolher, quase vemos o Leonardo di Caprio chegar ao longe. Até porque se em frente termos um mar de perder de vista, a servir de encosto estão montanhas verdes de cascatas e miradouros.

No final do dia, o iPhone conta vinte quilómetros feitos e 24 mil passos dados, mais do que suficiente para fazer as pazes com uma ilha que, afinal, tem mais de Tavira do que faz parecer e que serviu de aquecimento para uns últimos dias, esses sim, dignos de filme.

Koh Tao fica a duas horas de barco de Koh Samui e nos seus 21 quilómetros quadrados reúne o que de melhor a Tailândia tem: comida a cada esquina, água de coco fresquinha e gente de sorriso aberto. Se a isto juntarmos menos turistas do que nas ilhas vizinhas e um mar que não parece real de tão azul, está criado o cenário que a cada dia nos faz pensar na melhor forma de pedir uma licença sem vencimento.

Enquanto ela não chega partilhemos no Instagram fotos dos baloiços na praia, falemos daquela dourada grelhada que serviu de despedida à viagem e façamos inveja com um bronze que destoa do tom esquálido do inverno lisboeta.

Pode vir quem quiser dizer que «já estive na Tailândia e não é nada assim». Não quero saber. Esta é a minha Tailândia.  

Onde ficar

Shangri-La Banguecoque

Deste cinco estrelas pode esperar-se tudo: desde pernil de porco ao pequeno-almoço, um ginásio com mais equipamento do que um profissional e uma vista sobre uma cidade que não dorme.

Preço desde 140 euros/noite
Morada 89 Soi Wat Suan Plu, New Road, Bangrak, Banguecoque

Kantary Hills – Chiang Mai

A dois passos do essencial, mas a dar espaço a uma noite sem o ruído do centro da cidade. O Kantary Hills disponibiliza quartos e estúdios, que partilham piscinas, ginásios, saunas e um pequeno-almoço com direito a sopa de peixe e noodles com camarão.

Preço desde 80 euros/noite 
Morada 44 Nimmanhaemin Road, Muang, Chiang Mai

Montra Resort – Koh Tao

Um pé no quarto, outro na praia. É assim este hotel à beira mar plantado e que nem por isso deixa de ter piscina. Seja em água salgada ou em cloro, há sempre um bar por perto a servir cocktails ou mais uma Chang, a cerveja oficial desta viagem

Preço Desde 40 euros/noite  
Morada 1/51 Moo2, Koh Tao

Onde comer

Blue Elephant Banquecoque

Neste espaço, tanto pode optar por se sentar à mesa à espera de ser servido, como pode pôr as mãos na massa (de noodles, neste caso) e aprender a preparar alguns dos mais típicos pratos tailandeses.

Horário todos os dias, das 11h30 às 14h30, das 18h às 22h30 
Morada 233 South Sathorn Road Kwaeng Yannawa

Mercado – Chiang Rai

Restaurantes não faltam, mas vá por nós e, em Chiang Rai, deixe-se perder por entre as bancas do mercado que oferecem desde peixes gigantes, pad thai em força e minhocas crocantes. Para estômagos mais tradicionais, um hot pot – caldo servido numa panela de barro – soa perfeito.

Horário todos os dias, das 18h às 23h  
Morada Thansai Rd., Tha Sai, Muang 

Yang  – Koh Tao

Aviso: vá com fome. Aqui uma sopa alimenta dois e o conceito de meia dose ainda não chegou a oriente. Há saladas, noodles, sopas, peixes, servem-se pequneos-almoços, almoços e jantares e com uma note de cinco euros está feita a festa.

Horário todos os dias das 8h30 Às 22h
Morada Ko Tao, Ko Pha-ngan