Rui Miguel Cruz. O homem que substituiu Montenegro

O novo deputado do PSD defende a descida de impostos e teme que os anúncios sobre a prevenção dos incêndios não estejam a ser executados

A saída de Montenegro, anunciada com pompa e circunstância no conselho nacional do PSD, abriu a porta à entrada de um novo deputado do círculo eleitoral de Aveiro para a bancada parlamentar do PSD. Chama-se Rui Miguel Cruz, tem 47 anos e chegou ao parlamento, como o próprio diz, “há pouquíssimo tempo” e ainda não conhece bem os cantos à casa. No meio dos corredores da Assembleia da República, que são muito parecidos, o novo deputado confessa que se guia pelos quadros pendurados.

A vida na política começou na autarquia de Vagos, distrito de Aveiro. “Eu não tinha militância ativa no PSD”, contou ao i. “Fui convidado com 25 anos para encabeçar a lista do PSD à Câmara Municipal de Vagos, que na altura era liderada pelo CDS há quatro anos. Nesse ano de 1997 perdi as eleições, quatro anos depois ganhei ao CDS com uma margem interessante.”

Desde as eleições de 2001 juntou três mandatos como presidente. Os “três mandatos permitidos por lei”, recorda. Durante esse período Rui Miguel Cruz esteve diretamente envolvido com o reforço da prevenção e combate aos incêndios no concelho. “Houve, infelizmente, no meu tempo, um grande fogo”, e foi o que bastou para o então presidente da câmara justificar que fossem “tomadas medidas sérias na área da prevenção, no sentido de impedir que deflagrassem fogos – isso não é possível mas pelo menos impedir que tomem uma dimensão incontrolável”, explicou o ex-autarca referindo que a principal aposta foi “na prevenção, na aquisição de equipamentos, viaturas e na constituição de equipas que nos meses da época de incêndios vigiassem e estivessem próximos dos vários pontos florestais onde potencialmente surgiriam incêndios”.

As medidas produziram efeito, “os fogos quase desapareceram e quando um ou outro foco de incêndio eclodia era prontamente atacado e não tomava sequer proporções”. Pelo menos até outubro do ano passado, quando Vagos voltou a ver um grande incêndio no concelho.

O trabalho que desenvolveu em conjunto com a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Vagos valeu-lhe a distinção de Medalha de Mérito Grau Ouro por serviços distintos atribuída pela Liga dos Bombeiros Portugueses.

E numa altura em que se fala tanto de prevenção, Rui Miguel Cruz reconhece que existem “diferenças – e elas notam-se” – entre o ano passado e este. Porém, teme que a execução não corresponda aos anúncios que o ministro da Administração Interna tem feito. “Não tenho ainda a perceção se [a época de incêndios] está a ser preparada e executada de acordo com o que tem vindo a público e aquilo que é anunciado”, afirma o novo deputado. “Apenas um exemplo: eu vivo perto de uma mancha florestal propriedade do Estado onde se inserem inclusivamente equipamentos, escolas, centros sociais e vários edifícios públicos. Eu não vi o Estado a tratar da mesma propriedade, em termos de limpeza, como está neste momento a exigir aos proprietários privados e aos municípios.”

A caminho de uma nova crise Apoiante de Rio, que considera “o homem certo na altura certa” e com quem partilha a visão “para aquilo que deve ser a governação do país”, Rui Miguel Cruz defende que o PSD deve apresentar uma alternativa para o país. Se o atual governo opta, nas palavras do deputado, por assentar o exercício “numa política salarial e de remunerações”, o PSD “apresentará um caminho diferente” às eleições legislativas de 2019. “Julgo que todos concordam desde há muito tempo – aliás o primeiro a falar disso foi Vítor Gaspar [ex-ministro das Finanças do governo PSD/CDS] – que os portugueses estavam submetidos a uma carga brutal e colossal de impostos a que chamaram austeridade”, e por isso “há outro caminho de valorização das pensões, dos salários e das remunerações que é a via dos impostos”, acrescentou o deputado.

“A redução dos impostos tem que ser transversal”, afirma, lembrando que a reposição salarial apenas atinge a função pública e os pensionistas, deixando de fora os trabalhadores por conta de outrem. “Estes dois modelos andaram em confronto nos últimos 40 anos de democracia e não libertaram Portugal da sina ou do fado de termos uma crise financeira e económica de dez em dez anos”, criticou, citando as medidas de austeridade aplicadas no início das décadas de 80, 90 2000 e, por último, a grande crise de 2011. “Manter esta solução parlamentar pode custar uma crise financeira violenta em 2020 se não forem tomadas medidas de correção deste trajeto que estamos a seguir”, acrescentou.

Advocacia e Segurança Social Advogado de profissão, passou grande parte do tempo afastado da prática do direito. “Exerci advocacia durante cinco anos consecutivos, interrompi, voltei à advocacia, interrompi logo a seguir, voltei à advocacia, interrompi logo a seguir. Vou interromper”, corrigiu referindo-se à sua atual situação.

A primeira interrupção foi para assumir o cargo de vereador na Câmara Municipal de Vagos, tendo sido depois eleito presidente da câmara. Atingidos os três mandatos, foi eleito presidente da Assembleia Municipal de Vagos. A segunda foi para abraçar um novo desafio: a Segurança Social.

“Fui substituir um colega que estava na Segurança Social e que se aposentou e decidiu sair. Perguntara-me se eu estaria disponível”, explicou. “Era uma área onde a câmara tinha uma atuação bastante relevante em termos da ação social, com as IPSS indiretamente. Este trabalho sensibilizou-me para aceitar o desafio.”

Sobre o novo cargo, Rui Miguel Cruz admite que “é difícil iniciar a corrida bastante atrás de quem já corre” e que, por isso “está a sentir as dores de ter de apanhar o pelotão que já vai mais à frente”. No entanto, isso não o desmotiva. Acredita que tem pela frente a representação do país por um lado e dos eleitores do distrito de Aveiro por outro. “Acho que os deputados têm uma dupla tarefa: um trabalho a nível da representação dos eleitores que os elegem nos seus distritos e na defesa também daqueles interesses mais gerais, os direitos fundamentais de cada um dos cidadãos.”

Por isso, o novo deputado social-democrata gostaria de poder integrar uma de três comissões: a comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a comissão de Trabalho e Segurança Social ou a Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação. No entanto, como Luís Montenegro não tinha atribuída nenhuma comissão por pertencer à liderança da bancada parlamentar do PSD, Rui Miguel Cruz, atualmente, também não integra nenhuma. Em caso de substituição, o deputado que chega ao parlamento assume exatamente as mesmas funções do deputado que saiu.

Se a saída de Montenegro "fosse por razões políticas, eu poderia emitir uma opinião"

Rui Miguel Cruz acredita que ainda é cedo para avaliar a prestação de Fernando Negrão e lembra que os deputados assinaram uma declaraçõão de vinculação à direção.

“Foi a decisão dele [Luís Montenegro] de sair de deputado que me permitiu, como primeiro não eleito [por Aveiro], ser deputado”, reconhece Rui Miguel Cruz. No entanto, sobre a decisão que o antigo líder da bancada parlamentar tomou, diz não ter opinião. “É uma decisão que assenta em pressupostos puramente pessoais – portanto dele e familiares – e eu respeito. Se fosse por razões políticas ou qualquer coisa partidária, eu poderia emitir uma opinião”, disse ao i o novo deputado do PSD.

O anúncio de Montenegro sobre a saída do parlamento, que aconteceu no passado dia 5 de abril, foi feito durante o congresso do PSD em que Rui Rio assumiu a liderança do partido. O ex-líder da bancada parlamentar, que era visto como potencial sucessor de Pedro Passos Coelho, foi apoiante de Santana Lopes durante as eleições e, no seu discurso, anunciou que não iria abandonar a política.

“Exercer o cargo de deputado durante 16 anos consecutivos com a projeção e o relevo nacional que teve, dentro e fora do parlamento e dentro do próprio partido, é algo de muito denso”, comentou o ex-autarca. “Admito que essa densidade, essa entrega ao exercício do cargo de deputado, o terá afastado seriamente da família.”

Sobre a reformulação da bancada e as críticas à nova liderança de Rui Rio, Rui Miguel Cruz recusa a ideia de que as eleições do PSD tenham dividido o partido. “Dividiu o PS a luta entre António José Seguro e António Costa? A história da divisão é apenas um momento, é artificial porque no fundo não deixam de ser militantes do PSD todos aqueles que votaram de um lado e de outro”, disse o ex-autarca.

Sobre o novo líder da bancada parlamentar, Fernando Negrão, o novo deputado considera que “ainda é cedo para falar em desempenhos”. “É preciso dar tempo ao tempo para que essa liderança se afirme. Passado esse tempo podemos dizer se foi um exercício positivo ou negativo, se se enquadrou com o tipo de oposição que a liderança do partido defende”, acrescentou lembrando que “o líder parlamentar não está sozinho neste percurso” mas funciona em conjunto com a liderança do partido.

Para o novo deputado, é mais “aquilo que une todos os militantes” do que os votos de umas eleições internas. Até porque, como se lembra – “apesar das discussões interessantíssimas” – quando concorreu, “em 2015, todos os candidatos a deputado assinaram uma declaração que os vinculava à direção do partido e àquilo que eram as determinações da direção do partido”, explica ressalvando que fora dessa declaração estariam as “questões de consciência”.