Autarquias. Descentralização só fica concluída no próximo governo

Câmaras vão ter liberdade para decidir se querem assumir já as competências transferidas pelo governo ou se o querem fazer de forma gradual até 2021, ano das próximas autárquicas. Acordo entre PSD e governo está fechado

Quatro anos depois, o governo chegou ontem ao fim da tarde a acordo com o PSD sobre a descentralização. O anúncio deverá ser feito no final desta semana em conjunto pelo primeiro-ministro António Costa e por Rui Rio, apurou o i.

De acordo com fontes próximas do processo, as autarquias terão liberdade, até 2021, para decidir as responsabilidades que querem assumir. Ou seja, os municípios que quiserem podem assumir já todas as responsabilidades transferidas pelo governo e as câmaras que assim o entenderem podem fazer o processo de forma gradual até às próximas eleições autárquicas. O processo será vigiado por comissões de acompanhamento.

Desta forma, a descentralização só vai estar no terreno a todo o vapor em 2022 com os próximos 308 presidentes de câmara em funções. Nessa altura, também já estará em funções outro governo. 

“Devemos estabilizar um regime de cima para baixo a três anos, fazendo o processo de forma gradual, porque nem todas as autarquias são iguais. E isto permite que, caso os presidentes de câmara considerem ser insuficiente um envelope financeiro para uma determinada área, possam continuar a negociar”, explicou ao i fonte conhecedora do processo.    

Além disso, a transferência de competências do Estado para as autarquias terá em conta o contexto socioeconómico de cada região. Ou seja, nem todas as câmaras municipais vão assumir a totalidade do pacote de responsabilidades nas 21 áreas, havendo um ajuste à realidade de cada autarquia.     

Estes foram alguns dos pontos que constam do acordo firmado ontem, ao final da tarde, depois de o governo ter acolhido algumas das propostas entregues pelo coordenador dos autarcas sociais-democratas, Álvaro Amaro, durante uma reunião que decorreu no Ministério da Administração Interna com o ministro Eduardo Cabrita. 

Ao i, Álvaro Amaro, também presidente da câmara da Guarda, disse ontem, depois do encontro, que a reunião com o governo “correu bem” e que “estava no bom caminho” para chegar ao acordo.  Quando falou ao i, o acordo ainda não estava fechado e o representante dos autarcas do PSD estava a aguardar que o governo lhe fizesse chegar “as suas posições em resposta aos documentos” com propostas concretas que entregou ao MAI na semana passada. 

Contactada pelo i, a Associação Nacional de Municípios não tece comentários ao acordo entre governo e PSD. 

Já o presidente dos autarcas socialistas, Rui Santos, vê com bons olhos a liberdade dada às câmaras para decidirem as competências que querem assumir. “Há autarquias que têm de decidir porque podem não ser capazes de assumir já essas competências”, reconhece ao i Rui Santos, dizendo ainda que estas são algumas das medidas que vão “ao encontro das preocupações dos partidos mais à esquerda”, como Bloco de Esquerda e PCP.  

O governo quer fechar as negociações da descentralização até  ao final de julho, quando termina a sessão legislativa. O processo envolve 21 decretos-lei setoriais, dos quais já há acordo com as autarquias em oito diplomas, estando previsto um envelope financeiro para cada uma das competências a herdar pelos municípios (ver caixas ao lado). Serão estes decretos que irão regulamentar as responsabilidades transferidas. O processo envolve ainda uma nova Lei de Finanças Locais, onde vai ficar definido o financiamento para a descentralização, e uma lei-quadro, que vai funcionar como lei-chapéu para definir as regras e as competências que serão transferidas. 

Todos estes diplomas já deram entrada no parlamento e baixaram à especialidade – à Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação – sem votação em plenário. Serão agora entregues pelos partidos propostas de alteração aos diplomas, para que sejam votada uma versão final global no plenário. 

Governo falha meta 

A transferência gradual das competências do Estado para as autarquias era um dos pontos assentes da descentralização desenhada pelo governo de Passos Coelho, que chegou a avançar com um projeto-piloto em curso. Ideia rejeitada por este governo, que anunciou em janeiro de 2016, durante o Conselho de Ministros, que a transferência de competências iria avançar no terreno em todas as autarquias ao mesmo tempo. 

Outra das intenções que fugiu aos planos do governo prende-se com o calendário da descentralização. Inicialmente, em 2016, o então ministro-adjunto Eduardo Cabrita, tinha como meta fechar o acordo e aprovar o pacote de diplomas da descentralização até julho, de forma a que  esta reforma estivesse no terreno quando os novos autarcas, eleitos entretanto em outubro, assumissem os comandos das câmaras.      

Meta que fracassou muito em parte pelo desacordo dos presidentes de câmara face ao envelope financeiro proposto pelo governo e pelas responsabilidades que seriam transferidas, sendo o setor da Educação uma das áreas que mais tensões gerou.     

Projeto-piloto em curso

Há pelo menos quatro anos que os dois últimos governos têm vindo a negociar com as autarquias a transferência de responsabilidades. 

Está, aliás, em curso, um projeto-piloto com 27 autarquias,  que em 2015 assinaram um contrato com o anterior governo para assumirem competências na Educação, na Saúde e na Cultura. O projeto-piloto tem a duração de cinco anos – estando prevista uma avaliação no final, em 2020, – e o governo de Passos Coelho transferiu para as autarquias 70 milhões de euros por ano, disse na altura e acordo com o ex-ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro. 

Quando tomou posse, o atual governo fez saber que queria alargar as áreas e o leque e de competências a transferir para as câmaras. E em janeiro de 2016, o executivo aprovou em Conselho de Ministros a transferência de responsabilidades em 14 áreas como a proteção civil, a segurança pública, os transportes, os portos, a habitação, as praias, isto além de áreas como educação, saúde, cultura e segurança social.

Agora, as negociações envolvem 21 diplomas e o pacote financeiro em cima da mesa ascende a 1,2 mil milhões anuais.