1929-2018. Fernando Reino, o diplomata que geria um bed and breakfast

Um europeísta antes do europeísmo, um democrata antes da democracia, coordenador da reorganização do Ministério dos Negócios Estrangeiros, da descolonização e dos Acordos de Alvor, partiu este fim-de-semana. 

Nasceu no ano da primeira grande crise de Wall Street, em ’29, mas do outro lado do mundo, em Felgar, Trás os Montes. Fernando Reino, antigo embaixador e ex-chefe da Casa Civil na primeira presidência do General Ramalho Eanes, faleceu na madrugada do passado domingo, com 88 anos de idade. Geria, apurou o i, um estabelecimento hoteleiro, no formato de “bed and breakfast”, em Cascais – ainda que apreciasse alguma solidão. Dos vários contemporâneos de Reino contactados pelo i – uma meia dúzia de ex-colegas e próximos – houve uma frase que ficou marca: “Tínhamos combinado marcar qualquer coisa, mas acabou por não acontecer”.

Licenciado em Direito na Universidade de Coimbra, seguindo o percurso tradicional da sua geração, entraria para a carreira diplomática em 1957, pelo concurso de admissão aos lugares de adido de delegação do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Quatro anos depois, iria para Tóquio, primeiro como 3º cônsul, depois como segundo secretário da embaixada. Passaria depois por Madagáscar e pela África do sul, subindo para o norte desse continente, rumo a Tunes, já dez anos depois do Japão. Seria promovido ao posto de primeiro secretário com a classificação de “Muito bom”. Entre esse ano, 1971, e 1973 seria chefe-adjunto da missão permanente portuguesa junto da Comunidade Económica Europeia – uma ancestral REPER, portanto. Em 1969, escreveria “Mundo Árabe”, publicado no boletim do Ministério nos Negócios Estrangeiros e ainda disponível para leitura. 

Depois do 25 de abril, integraria a comissão nacional de descolonização (em 1975  seria protagonista dos Acordos de Alvor entre as forças políticas angolanas) e coordenaria a comissão de reestruturação do MNE, também depois da revolução dos cravos. Seria embaixador em Oslo com as credenciais de embaixador não-residente em Reiquiavique. Depois, aceitaria o convite do general Ramalho Eanes para ser seu chefe de Casa Civil, onde ficaria somente entre a primavera de 1980 e o verão do ano seguinte. Mais tarde, seria embaixador em Madrid (1985-88) e depois embaixador junto da Organização das Nações Unidas até 1992, em que regressaria a Portugal por vontade própria, aceitando um convite para a administração da Gás de Portugal, onde estaria pouco tempo por divergências políticas. Não regressaria à carreira diplomática.

“Nunca fez política, mas foi sempre um homem político”, conta um eanista ao i, lembrando que Fernando Reino não participaria na fundação e atividade política do Partido Renovador Democrático (PRD), de que muitos próximos das presidências de Ramalho Eanes (líder da breve força política) foram membros. No entanto, Reino, assim como o general, era um homem “de esquerda”. “E não tinha receio nenhum em que isso se visse”, aponta um colega da carreira. “Não tinha um feitio fácil”, reconhece, também ao i. 

Noutro testemunho, outro colega diplomata escreve similarmente que “trabalhar com Fernando Reino não era fácil”. “Numa embaixada tão pequena como aquela [na Noruega] – éramos os dois únicos diplomatas, com cinco unidades administrativas -, o seu ‘génio’ tornava frequentemente os dias um tanto tensos”, revela Francisco Seixas da Costa, textualmente. Reino foi o seu primeiro embaixador. “Alguns conflitos tivémos, mas nenhum que tivesse afetado a amizade que entre nós se estabeleceu e a profunda admiração, pessoal e profissional, que por ele passei a ter”, conta ainda Seixas da Costa, que trabalhou de perto com o ‘workaholic’ europeísta. “Amigo próximo de Melo Antunes, tinha uma excelente relação com Mário Soares e esteve sempre identificado com a ala mais progressista dentro do MNE”, revelou também o embaixador aposentado, já nas redes sociais. 

Ao i, Basílio Horta, que foi ministro num governo chefiado por Soares e é hoje presidente da Câmara de Sintra, onde Reino tinha residência, diz: “Conheci-o bem. Tinha-lhe uma grande estima pessoal e respeito profissional. Foi um grande embaixador de Portugal”.

José Paulo Fernandes-Fafe, que conheceu bem os corredores da diplomacia nacional – filho de José Fernandes-Fafe, embaixador contemporâneo de Fernando Reino – aproveitou também para deixar um testemunho. “Com uma personalidade muito marcada, dono de um feitio muito próprio”, descreve. “Desaparece um dos últimos grandes diplomatas da sua geração”, concluiu.