‘Não haverá eleitoralismo. Governo aprendeu com 2009’

O livro Uma Estratégia Orçamental sustentável para Portugal é um Programa de Estabilidade alternativo assumido. O economista Paulo Trigo Pereira pede mais investimento público.

Paulo Trigo Pereira, 58 anos, catedrático do ISEG,  é deputado independente do PS. Costa foi buscá-lo à universidade, primeiro para ser um dos economistas-referência que prepararam o cenário macroeconómico que o PS apresentou em abril de 2015 e depois para integrar as listas ao Parlamento. O seu nome foi apontado para futuro ministro das Finanças, em alternativa ao de Mário Centeno. O livro que agora lança é também um Plano de Estabilidade alternativo.

Responde a esta pergunta no livro. Mas vou fazê-la à mesma. Mantendo tudo igual ao que estava no Programa de Estabilidade (PE) para 2017, a dívida é sustentável?

A sustentabilidade da dívida tem uma tripla dimensão: económica, social e política. Não é só ter uma folha de Excel com valores para o crescimento económico, os juros e o saldo primário e daí dizer que daqui a 20 e tal anos, cerca de 2040, teremos a dívida nos 60% do PIB. A dívida seria sustentável se se conseguisse manter uma trajetória durante 20 anos relativamente forte em termos de consolidação.

Seriam precisos 20 anos de défices tão baixos como o de 2017, que é o mais baixo da história da democracia, para ter a dívida nos 60% do PIB?

Obviamente que o défice não é sempre igual ao de 2017. Há uma melhoria do saldo orçamental até 2021 e a partir daí há alguma folga. A partir de 2021 o défice pode agravar-se até àquele que é o objetivo de médio prazo inscrito no Pacto de Estabilidade, que são os -0,5%. Seria preciso muito tempo para alcançar um valor de peso na dívida no PIB que é razoável. Obviamente que o progresso dos últimos dois anos foi muito importante. E é previsível que se consiga reduzir cerca de 20 pontos percentuais da dívida no espaço de poucos anos, o que é claramente bom. Mas alguns de nós, em particular eu e o dr. Ricardo Cabral, continuamos a defender que uma renegociação da dívida num quadro multilateral europeu teria claros benefícios para todos os países da zona euro e para Portugal em particular.

Segundo as vossas estimativas, até 2021 não há margem para reduzir a carga fiscal nem para aumentar de forma substancial a despesa…

Se a prioridade for dada à melhoria dos serviços públicos, é necessário aumentar a despesa pública (menos do que o crescimento do produto, mas é necessário aumentá-la) e isso não cria margem para um alívio fiscal significativo até 2021. 

O livro defende que é contraproducente para o crescimento manter saldos orçamentais demasiado altos. Mas parece que a política do Governo vai em sentido contrário…

É indesejável nós não conseguirmos alcançar as metas a que nos comprometemos com a Comissão Europeia, porque isso significaria uma falta de credibilidade do país. Mas ultrapassar essas metas significa que do ponto de vista macro está a ter-se um efeito de contração económica e que do ponto de vista da qualidade dos serviços públicos não se está a alcançar uma melhoria ao nível do que poderia ser feito.

Defende aumentos para a Função Pública?

Em linha com a inflação e não mais. Para não haver uma perda do salário real.

No livro, dizem que não se sabe onde estão as gorduras do Estado. Isso é um mito?

Quem, como o PSD e o CDS durante a troika, olha para as componentes da despesa pública aponta o item dos consumos intermédios e diz ‘ora, aqui estão as gorduras do Estado e vamos cortar aí’. Isso não é assim, porque mais de dois terços dos consumos intermédios são despesas em Saúde. Tem de haver uma opção política sobre se se quer ou não quer cortar na Saúde. Isso no passado, com o Governo PSD/CDS, foi feito. Neste momento, essa despesa está a aumentar, mas o que estava previsto no PE 2017 era um congelamento dos consumos intermédios e nós achamos que isso não é realista tendo em conta que na Saúde há suborçamentação.

Diz que só poderá haver alívio fiscal em 2021, mas no livro explica-se que o investimento público só não foi ainda mais baixo graças às autarquias em ano de autárquicas. Havendo legislativas em 2019, como é que se resiste à tentação de esperar por 2021?

Eu acho que não vai haver alívio fiscal em 2019. Primeiro porque penso que o ministro das Finanças concordará no essencial com as contas que fazemos e essa margem não existe. E não existindo, ele não vai implementá-la. A segunda razão é porque daria um sinal claro de eleitoralismo que eu acho que o PS e o Governo não quererão dar. Já temos a experiência de 2009, que não é para repetir. Houve um aumento dos salários na Função Pública e isso foi um erro. Os portugueses estão identificados com esta estratégia de consolidação orçamental do Governo. Eu acho que grande parte da subida do PS nas sondagens tem que ver com isso, com as pessoas verem que, apesar de aplicar uma política de esquerda, se está a consolidar as contas públicas. Isso seria um sinal de que se está a trabalhar para as eleições. E isso não vai acontecer.

Ter o ministro das Finanças como presidente do Eurogrupo não fará com que Centeno evite uma política expansionista?

Nós advogamos realmente um aumento do investimento público, que atingiu níveis baixíssimos nos últimos anos. Aliás, também advogamos uma maior autonomia da gestão das empresas públicas. Empresas como a Infraestruturas de Portugal, que têm uma parte significativa de receitas próprias e têm uma parte do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos consignado, deviam ter uma margem de manobra maior para realizar investimentos. Não devia ter de passar tudo pela assinatura do ministro das Finanças.

Para fazer obras na ponte 25 de Abril não devia ser preciso a assinatura de Centeno?

Esse é um exemplo.

É bom para Portugal ter um ministro que quer fazer “brilharetes” em vez de aumentar o investimento?

Eu acho que é bom para o país, porque aquilo que tem de ser decidido este ano não é apenas o PE e o Orçamento do Estado. É o objetivo de médio prazo para as Finanças Públicas e é a reforma da zona euro. 

Mas para isso é preciso um ministro Centeno politicamente ativo a tentar redefinir as regras europeias e não apenas a seguir as regras…

Eu não diria a definir as regras europeias, mas a interpretação das regras europeias. O que criticamos no livro é, desde logo, a interpretação do conceito do objetivo de médio prazo para as contas públicas portuguesas. Esse conceito não está no Pacto de Estabilidade, não está no Tratado Orçamental. Ou seja, está enunciado, mas a sua concretização está numa coisa chamada vademecum do Programa de Estabilidade e Crescimento. Mas há aqui uma esfera de negociação política. Mário Centeno, como líder do Eurogrupo, não pode pensar em particular em Portugal, tem de pensar em todos os países, mas o que nós dizemos é importante para todos os países. O objetivo deve voltar a ser os -0,5% para dar mais folga orçamental. Há uma tensão, mas o que está em causa é toda a reforma da zona euro e estou convicto de que o contributo do ministro Mário Centeno será fundamental e na direção correta.

Uma das coisas que diz no livro é que não há uma radiografia das necessidades de funcionários em cada setor do Estado…

Exatamente. As bases de dados do emprego público sempre foram deficitárias e só agora é que se começou a ter mais informação.

Não é surpreendente que Portugal esteja abaixo das médias europeias no rácio de funcionários públicos? 

Sim. É provável que haja alguma surpresa. Nós estamos abaixo da média da OCDE em termos de emprego público. A análise que é necessário fazer é ver setorialmente quais são as necessidades, por exemplo de inspetores ou de guardas prisionais, e depois definir prioridades políticas. Há claramente carências.

É possível uma reforma do Estado de esquerda?

É. A reforma do Estado de esquerda é olhar para as ineficiências do funcionamento público e corrigi-las. As poupanças que queremos fazer não são feitas com cortes de funcionários públicos, não é com cortes de despesa pública. É com a melhoria do funcionamento do Estado. Não é privatizando ou fazendo concessões.

Neste momento, dois terços do investimento público são para PPP. É muito?

É muito. O peso do investimento público foi 2% do PIB. Destes 2%, um foi para a administração regional e local. E do 1% da administração central, dois terços foram para PPP. Só cerca de 0,3% do PIB é que foram para investimento da Administração Central. Isto é inacreditável. Só uma ninharia, à volta de 400 milhões de euros, é que foram para a administração central. Não é nada.

E isso não pode ser assim?

Não pode ser assim. Estou convicto de que isso vai melhorar significativamente em 2018, em 2019 e 2020

Além do cargo de presidente do Eurogrupo, podem ser importantes cargos no conselho diretivo do BCE?

O que aprendemos nesta crise foi que, além das regras existentes, é muito importante as pessoas que estão à frente das instituições. Se não fosse Mário Draghi o presidente do BCE, se fosse o presidente do Banco Central Alemão – que parece ter algumas pretensões ao cargo – se calhar tínhamos tido uma crise grave do euro em que alguns países abandonariam o euro. Vai ser muito importante não a nacionalidade, mas o perfil do novo presidente do BCE. Nós em economia, distinguimos entre os falcões e as pombas. Se for um falcão, que eu não acredito que seja, seria muito mau para toda a zona euro.

As cativações são a chave do segredo do défice?

Isso não faz sentido nenhum. Sempre houve cativações. A única diferença é que se descobriu no debate público nacional o termo ‘cativações’. E descobriu-se num ano, que é 2016, em que as cativações foram muito altas. Se as pessoas lerem com atenção os Orçamentos do Estado dos últimos dez anos estão lá as cativações. 

Mas o investimento baixo, esse sim, é a grande ajuda ao défice?

Sim, mas já agora diga-se que o investimento caiu a pique precisamente no período da troika. Está agora num patamar de cerca de 2% e é preciso reforçá-lo.

Sente-se confortável com os 0,7% de défice para 2018?

Sinto-me confortável com um défice de 0,7%, que é a nossa simulação, com tudo o resto constante. Um défice menor do que esse é excessivo. Porque este défice incorpora a poupança em juros que existiu em 2017 e que vai existir em 2018. Tendo em conta os dados novos sobre crescimento e sobre a redução de encargos com os juros, são os tais 0,7%.

Esses 0,7% têm margem para o investimento público que defende?

Têm alguma margem. Mas o investimento público aumenta significativamente nos próximos quatro anos no nosso cenário e mais do que o que estava no PE 2017. Há uma pequena margem. Reduzir o défice para além desse valor parece-me excessivo.

Com 0,7% consegue descongelar carreiras, atualizar salários ao nível da inflação e ainda aumentar despesa na Saúde?

Há muitas variáveis. Desde que seja nos termos que colocámos no livro, sim. Isso só se pode ver na globalidade. Os 0,7% incorporam a poupança com juros mas não vão além disso. Menos do que isso seria excessivo.

Quando vê Rui Rio defender que seria positivo Portugal apresentar pequenos excedentes orçamentais, isso parece-lhe positivo?

Eu, como economista, gosto de olhar para números. E do PSD não vi nenhum número. O que eu gostava era de saber qual é a estratégia orçamental da oposição. Não sei qual é. Isso é só uma frase. Sou um académico. Se me mostrarem números, eu analiso-os e digo se são realistas ou se não são realistas. O que eu enfatizo é que a oposição não apresentou nenhuma estratégia orçamental. Aliás, o CDS diz que quer levar o PE2018 a votos e eu gostava de ver os números do CDS. Presumo que se apresentam esse projeto de resolução é porque discordam, mas não basta discordar. O que eu quero é ver alternativas.

BE e PCP dizem que qualquer ponto que baixe o défice é um ponto perdido de investimento público. Também não concorda com isso?

O que disse para o PSD e o CDS aplica-se ao BE e ao PCP, com o sinal contrário. Devemos ter uma visão global do pacote das políticas. Não podemos discutir casuisticamente e separadamente aumentos de pensões, aumentos salariais, aumentos de emprego público, contagem do tempo de serviço integral de professores, que eu acho que é impossível… Exige-se um estudo que explique como é possível acomodar isto com uma determinada meta para o défice orçamental. Temos aqui uma tensão e este livro pretende ter uma visão moderada. Estamos cientes de que há fortes tensões políticas e sociais e vai haver, estão greves marcadas em vários setores. Há uma forte pressão para o aumento de despesa. Cada uma dessas coisas tem de ser analisada com muito cuidado.

Por exemplo nas pensões…

Sim. Qualquer aumento extraordinário tem de ser muitíssimo bem ponderado porque as pensões, pela forma de cálculo da lei, vão aumentar automaticamente, porque estão indexadas à média do crescimento económico dos últimos dois anos. Isto tem de ser visto. Se o BE e o PCP têm propostas de aumento de despesa, quantifiquem essas propostas e discutamos.

Acha que o OE2019 vai ser o de negociação política mais difícil?

Acho que sim, embora esteja convicto de que vai ser aprovado. Seria um suicídio político se o BE ou o PCP inviabilizassem este Orçamento. O que não quer dizer que passem um cheque em branco. Eu se estivesse no lugar deles também não passava cheques em branco. Será preciso sentar, mostrar os números e dizer que não é possível acomodar todas as exigências. É preciso definir prioridades. É uma opinião pessoal, mas eu por exemplo dava prioridade à contratação de funcionários públicos para áreas prioritárias e ao descongelamento das carreiras do que aos aumentos na Função Pública. Se fosse preciso escolher, esta era a minha escolha política.

É preferível o aumento do investimento público ao alívio fiscal?

É preferível do ponto de vista do crescimento aumentar o investimento público. Isso faz parte do que ensinamos no segundo ano de Economia. O efeito positivo na economia de mais mil milhões de investimento público é muito mais forte do que o efeito de uma redução da carga fiscal em mil milhões. E ambos têm o mesmo impacto no défice. Estranho imenso que Passos Coelho e Vítor Gaspar não tivessem percebido isso. Eles quiseram em 2012 reduzir a despesa pública em vários milhares de milhões de euros e depois ficaram admirados que aquilo tivesse provocado uma recessão. À exceção de uma ultra minoria friedmaniana, qualquer economista sabe que é assim. A austeridade expansionista não se verificou em lado nenhum.