Madeira endurece críticas e diz que “as pessoas não podem ser tratadas como lixo”

Além dos problemas em torno do subsídio social de mobilidade, o preço dos bilhetes e os cancelamentos regulares têm gerado polémica. Para Miguel Albuquerque, “pedir mais de 600 euros para fazer 900 km é demais”

O vento forte na Madeira levou ontem ao desvio e cancelamento de vários voos que tinham a ilha como destino. Houve voos a ter de voltar à origem, que foi o caso de dois voos da easyJet que regressaram a Gatwick e Bristol, e aviões que nem chegaram a descolar. No entanto, o clima está longe de ser o único problema de quem quer fazer ligações entre o Continente e os arquipélagos e há quem fale em questões que parecem ser de “terceiro mundo”. É o caso de Miguel Albuquerque, chefe do executivo madeirense. Tanto o cancelamento recorrente de voos como os problemas que têm surgido ao longo dos últimos meses por causa do subsídio social de mobilidade têm valido as mais duras críticas. Mas vamos por partes.

Os madeirenses falam em cada vez mais cancelamentos, a imprensa local aponta para situações de overbooking – em que estudantes foram expulsos de aviões por falta de lugares – e há até relatos de atletas e empresários a andar de um lado para o outro à espera de um voo disponível.

Com cada vez mais passageiros a saí- rem prejudicados, Miguel Albuquerque garante ao i que a situação é cada vez mais complicada e sublinha que, no caso dos cancelamentos da TAP, a situação ganha especial gravidade porque falamos “de uma companhia onde o Estado tem a maioria [do capital] e há uma obrigação com a Madeira”.

Para o presidente do governo regional, o que se passa com os voos da companhia nacional é “uma vergonha” e “as pessoas não podem continuar a ser tratadas como lixo”. Os madeirenses não têm apoio “a nível marítimo” e o problema da TAP “é uma questão que está ser empurrada com a barriga”. “Se há dinheiro para meter nos bancos, tem de haver para isto. Há estudantes a ficarem presos em Lisboa, a companhia aposta na Europa e esquece o quanto é fundamental para o nosso destino, já para não falar do problema da especulação de preços. As pessoas não têm disponibilidade financeira. Queremos viajar a preços acessíveis.” Até porque, evidencia, “o mercado é aberto, mas é preciso olhar para o abuso de preços. Pedir mais de 600 euros para fazer 900 km é demais. Não estamos a falar com atrasados mentais”.

Questionada pelo i, fonte ligada à TAP explica que o número de cancelamentos se deve principalmente “aos limites estabelecidos por causa do vento no aeroporto do Funchal. Alguns aviões conseguem aterrar e outros não”. Ou seja, de acordo com a transportadora, a única causa dos cancelamentos para este destino é o tempo.

Já em relação aos preços praticados, fonte ligada à transportadora sublinha que “é a lei da oferta e da procura” e explica que tem preços disponíveis para uma viagem de ida simples desde 55 euros – uma explicação que está longe de encher as medidas aos madeirenses. “Queremos viajar a preços acessíveis”, reforça Miguel Albuquerque.

A verdade é que a situação dos voos para a Madeira, nomeadamente os da TAP, tem dado muito que falar. Depois de muitos estudantes finalistas terem, há pouco tempo, ficado sem voo, houve relatos de jovens de 17 anos que apenas tiveram onde ficar acomodados às três da manhã. “São situações que não podem acontecer. E não se entende que a TAP esteja sempre a cancelar os voos domésticos. Porque é isso que acontece”, explica um dos madeirenses ouvidos pelo i.

Neste caso, esperava-se que os jovens regressassem da viagem de finalistas em Punta Umbría com muitas histórias para contar, mas sem os episódios de três dias de incerteza vividos em Lisboa.

Na mesma altura, a imprensa regional falava de 25 atletas, com idades compreendidas entre os seis e os 17 anos, a viver um verdadeiro drama para conseguirem regressar à Madeira. A patinagem do CS Marítimo tinha a viagem Faro/Funchal/Lisboa marcada, mas a última ligação falhou devido ao cancelamento por parte da companhia.

A esta questão vem somar-se uma outra que afeta também os Açores: os reembolsos que são feitos por causa do subsídio social de mobilidade. No início deste ano, o ministro do Planeamento e Infraestruturas, Pedro Marques, sublinhou que estava garantido o princípio constitucional da mobilidade. No entanto, aproveitou a deixa para evidenciar que “há caminhos, como a simplificação administrativa, que garantem apoio às populações sem fazer perigar a concorrência das rotas”. De fora ficava assim a ideia de orientar os preços para as companhias aéreas.

Mas o que é e como funciona este subsídio? O subsídio de mobilidade estabeleceu o valor das passagens aéreas entre a Madeira e o Continente em 86 euros para residentes e 65 euros para estudantes. Como os preços das companhias são, na maioria das vezes, muito superiores a estes valores, é devolvido o excedente ao passageiro, até um teto máximo de 400 euros. O que acontece se uma viagem ultrapassar este valor? Os beneficiá- rios pagam a diferença. E é este um dos pontos mais polémicos, porque há quem evidencie que os preços das viagens facilmente chegam, muitas vezes, a valores que ultrapassam os 500 euros. 

Peso nas contas

Para o Ministério do Planeamento e das Infraestruturas, há que ter em consideração que falamos de um modelo que não podia ter mais peso nas contas. De acordo com os dados avançados no ano passado, este subsídio custou, em 2016, 24,8 milhões de euros, enquanto, em 2014, as contas ficaram nos seis milhões. Já no caso dos Açores, o Estado foi chamado a comparticipar com 21,56 milhões de euros. 

Mas enquanto Pedro Marques olha para os cofres do Estado, os madeirenses olham para outros problemas levantados pelo modelo. Uma das questões que as ilhas querem ver resolvidas é o facto de o reembolso ser feito apenas a 60 dias se a deslocação for paga com cartão de crédito. “Estamos à espera de soluções há dois anos”, diz Miguel Albuquerque. Um dos madeirenses que o i ouviu explica que “as pessoas têm de avançar com o dinheiro. Só depois é que entra a questão do reembolso e nem todos têm dinheiro para pagar as viagens. Até porque, muitas vezes, os preços são demasiado altos”. A questão também se levanta nos Açores. Apesar de existirem menos queixas, há quem evidencie que “o que não falta é quem esteja insatisfeito porque o reembolso demora e as pessoas têm de conseguir disponibilizar grandes quantias de dinheiro. Basta imaginar uma família de quatro pessoas. São logo uns bons euros”. 

Tanto no caso da Madeira como no dos Açores, os CTT são a entidade prestadora do serviço de pagamento do subsídio social de mobilidade aos cidadãos beneficiários. Os destinatários, no caso dos açorianos, são passageiros residentes na Região Autónoma dos Açores, residentes equiparados ou estudantes que efetuaram viagem entre o arquipélago dos Açores e o Continente ou entre o arquipélago dos Açores e o arquipélago da Madeira. No caso da ligação ao Continente, para os residentes, o valor do subsí- dio é sempre a diferença “entre o custo elegível e o valor máximo de 134 euros por viagem de ida e volta”. 

A verdade é que, por um lado, os passageiros reclamam, por outro, ultrapassam-se previsões orçamentais. De acordo com Pedro Calado, vice-presidente do governo regional da Madeira, o modelo não está a ser bem aplicado e inflaciona o preço das viagens. A solução deveria ser uma opção menos burocrática, mais justa em termos sociais e que tivesse em conta as necessidades destes passageiros. “É preciso ter um modelo em que não seja necessário as pessoas estarem a criar um adiantamento para verem ressarcidos os valores no final de 60 ou 90 dias.”