‘Cunha’ para Manuel Pinho. Sócrates e Salgado encontravam-se muitas vezes

A garantia é dada por Ricciardi, que diz que as reuniões eram frequentes e até terá sido o banqueiro quem indicou Manuel Pinho para o Governo. Agora, Salgado foi constituído arguido no processo que envolve a EDP, precisamente por suspeitas de ter corrompido o ex-ministro da Economia, por forma a beneficiar a EDP e, indiretamente,…

José Maria Ricciardi, ex-presidente do BESI, diz «ter a certeza» de que havia reuniões frequentes entre Ricardo Salgado e José Sócrates. A afirmação foi feita aos investigadores do Ministério Público em 17 de fevereiro do ano passado, no âmbito da Operação Marquês.

Este depoimento contraria o que Salgado e Sócrates tinham dito nos interrogatórios do mesmo processo, em que afirmaram não ter relações próximas e apenas falarem em circunstâncias formais. 

Ricciardi adiantou mesmo que havia uma «grande intimidade» entre os dois homens, apesar de Salgado se movimentar sempre «com discrição», e que a proximidade entre ambos «chegou a tal ponto» que terá sido Ricardo Salgado a indicar Manuel Pinho para o Governo de Sócrates. 

Ricardo Salgado é agora o novo arguido no processo da EDP, juntando-se a António Mexia e Manuel Pinho, entre outros, que já estão indiciados por suspeitas de corrupção, tendo alegadamente prejudicado o Estado na elaboração dos chamados contratos das rendas excessivas de energia.
 
Saco azul compra apartamento em Nova Iorque

Em causa estão, nomeadamente, pagamentos efetuados pela ES Enterprises (o denominado ‘saco azul’ do GES) ao ex-ministro da Economia de Sócrates, Manuel Pinho, dinheiro que o Ministério Público suspeita ter sido utilizado por este arguido para a aquisição de um apartamento em Nova Iorque.

Os procuradores que trabalham neste processo pediram ajuda a Rosário Teixeira e José Ranito, responsáveis pela investigação da Operação Marquês e BES, para terem acesso a toda a documentação relacionada com eventuais pagamentos vindos do universo do Grupo Espírito Santo para Mexia e Pinho. Para além disso, pediram às autoridades suíças acesso a dados recolhidos durante investigações levadas a cabo naquele país – que tinham como foco as atividades da Eurofin e do Banque Privée do Grupo Espírito Santo. 

Estas informações acabaram por ser essenciais para os novos desenvolvimentos no caso EDP: foi através de documentação apreendida à ordem desse processo – não só financeira, como correspondência eletrónica – que foi detetada a existência da sociedade Tartaruga Foundation, que pertencia a Manuel Pinho e recebia vários montantes vindos do ‘saco azul’ do GES.

E foi graças a esta ligação que o MP conseguiu estabelecer uma relação entre o dinheiro usado pelo antigo ministro da Economia e Ricardo Salgado – o qual, na altura dos factos, era acionista da EDP. Os procuradores acreditam que os montantes transferidos do ‘saco azul’ do GES podem ter sido uma contrapartida pelos supostos benefícios de 1,2 mil milhões de euros concedidos à elétrica portuguesa, o que beneficiaria em muito o BES, sendo um acionista de referência.

O CM já tinha avançado que o apartamento de Pinho em Nova Iorque foi comprado em junho de 2010 por 1.242.265 dólares (cerca de 1 milhão de euros). A proprietária do imóvel – a sociedade offshore Blackwade – terá recebido indiretamente este valor a partir do saco azul do GES. O valor foi transferido primeiro pela ES Enterprises para uma segunda offshore – que, alegadamente, pertencerá a Pinho – e terá sido a partir desta que a Blackwade recebeu o montante.
 
Os pagamentos a Pinho

Esta não terá sido a primeira vez que Manuel Pinho recebia dinheiro vindo de Ricardo Salgado. De acordo com o Observador, o antigo ministro da Economia recebeu, pelo menos, 315 mil euros nas suas contas pessoais vindos do saco azul do GES. Na altura, o gestor afirmou que os pagamentos, feitos entre 2013 e 2014, tinham sido «acordados com Ricardo Salgado» e que se deviam ao «exercício de cargos de administração ou com funções de consultadoria» ao GES.
 Pinho disse ainda àquele site que não tinha «qualquer ligação funcional com a ES Enterprises ou com a Enterprises Management Services». No entanto, não estranhou que os pagamentos viessem do saco azul do GES, devido àquilo «que seria a política de gestão financeira do GES». «Para mim, tratava-se de transferências de remunerações que me eram devidas pelas funções exercidas no BES/GES», explicou então ao Observador. Estas transferências deram-se em data posterior ao alegado favorecimento da EDP.
 
Pagar para ser professor

Entretanto, haverá ainda outras vantagens recebidas por Manuel Pinho por beneficiar a EDP. O MP suspeita da forma como o antigo ministro foi colocado na prestigiada Universidade Columbia, nos Estados Unidos, como visiting professor. Os procuradores acreditam que a EDP, na pessoa de António Mexia, terá tido uma reunião com a direção da instituição e proposto uma doação de um milhão e duzentos mil euros à universidade – mais concretamente, à School of International and Public Affairs (SIPA) daquela instituição – em troca de um cargo de docente para Pinho.

Como a revista Visão noticiou na altura, John Coatsworth, reitor da SIPA, enviou uma carta a Mexia, datada de 2 de dezembro de 2009, na qual refere que a primeira tranche do patrocínio da EDP deveria ser de 300 mil dólares (cerca de 240 mil euros). Este valor serviria, entre outras coisas, para pagar o ordenado de Pinho.

Também José Sócrates teve intenções de continuar os estudos na Universidade Columbia. Terá sido Manuel Pinho a interceder pelo antigo primeiro-ministro junto da instituição para que fosse admitido como visiting professor. 
 
Os benefícios dos CMEC

Foi Manuel Pinho, enquanto ministro da Economia, que avançou com a passagem dos Contratos de Aquisição de Energia (CAE) para os Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC). Esta alteração no sistema de compensações está na origem da investigação – terá sido a partir destas alterações que a EDP conseguiu benefícios de cerca de 1,2 mil milhões de euros.

Como o SOL explicou na altura, o despacho que oficializava esta mudança foi assinado a 15 de junho de 2007, precisamente no dia em que a EDP e a Rede Elétrica Nacional assinaram os acordos de cessação dos CAE para que este novo sistema de compensação entrasse em vigor no primeiro dia de julho.

«Suspeita-se aqui a coincidência da data da celebração das adendas e da sua aprovação ministerial, o que indicia a participação direta ou muito próxima do ministro no processo administrativo em causa», referia o parecer do Núcleo de Assessoria Técnica da PGR, a que o SOL teve acesso. Entre os benefícios recolhidos por esta alteração estão as «taxas de juros inadequadas nos valores iniciais dos CMEC e das respetivas rendas anuais, inclusão dos CMEC de custos não previstos no CAE e a extensão da exploração híbrida não assegura o equilíbrio económico e financeiro, beneficiando a EDP em prejuízo dos consumidores».

Entretanto, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) emitiu parecer lembrando que já desde 2004 (quando era ministro da Economia Álvaro Barreto, no Governo de Santana Lopes, e João Talone liderava a EDP) vinha a alertar o Estado para as irregularidades nas compensações da elétrica