Rio quer, pode e manda

Paulo Rangel e Luís Montenegro não se inibiram de criticar publicamente os acordos fechados por Rui Rio com António Costa. Só o comissário Carlos Moedas deu os parabéns ao líder do PSD… e também ao primeiro-ministro.

Dois meses de liderança, dois acordos com o Governo. Esta semana, lado a lado com o primeiro-ministro, António Costa, o presidente do PSD, Rui Rio, apresentou duas posições conjuntas – passe o pleonasmo. Descentralização, que o grupo parlamentar do PSD já antes procurara pela ação da deputada Berta Cabral, e fundos comunitários, como o antigo Governo do PSD já fizera quando estava o Partido Socialista na Oposição, na altura liderado por António José Seguro. 

Mas o facto é que foi o PSD de Rio a fechá-los, com novos intermediários, e a apresentá-los com um contexto e uma relação bem diferentes entre os dois maiores partidos do Parlamento. O que é do interesse de Portugal é do interesse do PSD, defende o sucessor de Pedro Passos Coelho – que não discordaria certamente da premissa, mas talvez do método. Afinal, olhando para os pactos selados entre PS e PSD, o último, da Justiça, com Luís Marques Mendes na Oposição e José Sócrates a primeiro-ministro, foi discutido no Conselho Nacional dos sociais-democratas tanto antes como depois da sua assinatura. No entanto, o Conselho Nacional, que é o maior órgão regular do PSD, possuindo poderes de aprovação de listas eleitorais e destituição de lideranças, não teve desta vez direito a exposição prévia ou póstuma acerca dos consensos entre Rui Rio e António Costa. 

Um dos ‘laranjas’ que foi dado como candidato à liderança contra Rio diz ao SOL, requerendo anonimato, que também não vê razão para os acordos com o Governo serem ratificados em Conselho Nacional: «São documentos inócuos. Não há nada para discordar nem nada para concordar. Não acho que isso deva ser votado da mesma maneira que não achei que deveria ter sido tão fotografado», ironiza como remate. 

Estatutariamente, os deveres são ambíguos – fala-se em definição de «estratégia» – mas não há ambiguidade na quebra de tradição que Marques Mendes fez vigorar e Rio acabou por ignorar. Carlos Carreiras, veterano social-democrata, considerou mesmo que os acordos acpresentados (e não explicitados) correspondem «à criação de uma ilusão». 

Luís Montenegro, não tão veterano nem tão discreto, advertiu para os riscos de o PSD cair na aparência de ‘muleta do PS’ – um risco para o qual já havia alertado no passado congresso.

O comissário europeu Carlos Moedas aproveitou o seu Twitter para congratular Rui Rio e António Costa «por alcançarem um consenso» sobre os fundos europeus. Enquanto o eurodeputado Paulo Rangel, na Prova dos Nove da TVI, se mostrava contrário a a um entendimento futuro entre PS e PSD: «Eu sempre achei que é mau para o país e é mau para o sistema político esta aliança».

Na reunião do grupo parlamentar, esta semana, com cerca de metade dos deputados na sala e somente três dos vice-presidentes de bancada presentes, os acordos, mediatizados na véspera, também não foram clarificados. 

Antes, sobre a estratégia dos consensos, Rio foi até bem direto na única vez que reuniu com os deputados do seu partido: «Podem os 89 discordar, que a minha posição é esta». Enquanto houverem 89 – ou pelo menos estes 89 – haverá, claro, alguma discordância. Do lado do Governo, a festa teve fim declarado muito precocemente.

‘Falta de agenda’, diz Catarina na cara de Montenegro 

Na mesma semana em que se celebrou o aperto de mão do ‘centrão’, a secretária-geral adjunta dos socialistas, Ana Catarina Mendes, constatou na TVI24 a falta de «agenda» do atual líder do PSD. E estava à frente – nada mais, nada menos – de Luís Montenegro, o homem que é visto como líder de Oposição para o pós-rioísmo. Além da farpa televisiva de Ana Catarina, também de São Bento se ouvem garantias de que não haverá mais acordos entre Rio e Costa até às próximas eleições: no máximo, procurar-se-ão acordos em matérias mais tímidas e meramente ao nível dos grupos parlamentares, escreveu o Público. 

Até Marcelo Rebelo de Sousa veio dizer que os pactos deveriam ser mais «alargados» a outros partidos que não apenas ao PS e ao PSD. 

O PCP, mais agressivo, condenou em comunicado a «ostensiva visibilidade» do acordo entre o primeiro-ministro e Rui Rio, contrário «aos interesses do país». Com um Orçamento por aprovar, também não é intenção do Governo abanar a ‘geringonça’ ao ponto da rutura. A fotografia, porém, está tirada. E o seu simbolismo profético ficou. 
 
A confusão da semana

Se para Rui Rio foi a semana da harmonia com o Governo, para o PSD foi uma semana de tensões entre facções. 
Pedro Santana Lopes, que enfrentou o ex-presidente da Câmara do Porto nas diretas, agregando depois forças no congresso deste fevereiro, não gostou nada que Rio apresentasse o novíssimo Conselho Estratégico Nacional (coloquialmente conhecido como ‘governo sombra’) sem integrar os nomes que ambos haviam acordado. Rio e Santana dividiram as listas para a mesa do congresso, para o conselho de jurisdição, para o instituto Francisco Sá Carneiro e para Conselho Nacional do partido, onde Santana encabeçou a lista da direção de Rio. Para o Conselho Estratégico Nacional [CEN], todavia, e à primeira vista, dera-se um esquecimento. 

O ex-diretor de campanha de Santana, João Montenegro, que negociara o acordo na antiga FIL, veio a público confirmar o «incómodo» com a «quebra» do acordo. E o próprio Santana também confirmou que os nomes antes estabelecidos não haviam sido escolhidos: «Rio procurou juntar depois do congresso e depois nada mais», lamentou, no comentário semanal na SIC. O ex-provedor da Santa Casa, que entrou lado a lado com Rio no congresso, afirmou que «não se pode chamar rutura àquilo que não foi entrelaçado ou casado». 

Dois dias depois, Salvador Malheiro, que havia defendido as escolhas para coordenadores e porta-voz do CEN como «pessoais» de Rui Rio, resguardando o facto de «haver lugar para todos» os que quisessem contribuir no PSD, enterrou novamente o machado de guerra. O vice-presidente de Rio, que também fora protagonista nas negociações a seguir à eleição interna, conseguiu fazer a ponte entre as duas partes e os nomes foram aprovados em reunião da Comissão Política do PSD, logo esta semana. Santana Lopes «e toda a sua estrutura viram este gesto de Rui Rio de integração de todos os nomes sugeridos nos órgãos nacionais com bastante apreço», diria depois ao SOL fonte próxima do ex-primeiro-ministro. João Silveira Botelho, da Fundação Champalimaud, o diplomata Martins da Cruz, o deputado Costa Neves e os autarcas Fermelinda Carvalho, Humberto Marques e Ricardo Pereira Alves vão fazer parte das equipas do partido, conforme antes combinado. Publicamente, Rio não disse uma única palavra sobre o sucedido. 

Também esta semana, Santana Lopes almoçaria com o antigo líder parlamentar Hugo Soares – braço direito de Luís Montenegro –, no Café in, em Belém. À margem do rio. 
 
Uma quebra de tradição: Meireles passa a ‘reserva’ 

Falando em nostalgias, há dado novo na São Caetano à Lapa. 

Esta quinta-feira foi concluído o novo organigrama de funcionamento da sede nacional do PSD e, pela primeira vez em vinte anos, o líder do partido não ficará com o motorista do seu antecessor. 

Alexandre Meireles, que guiou o célebre automóvel de matrícula «PS» em que Passos Coelo corria o país, passará a mero motorista «de apoio». 

O seu pai, Manuel Meireles, fora motorista de todos os líderes do PSD desde a liderança de Marcelo Rebelo de Sousa, passando de Marcelo para Durão Barroso, de Barroso para Santana Lopes, de Santana para Marques Mendes, de Mendes para Menezes (!) – e sabem os lembrados que essa não foi transição fácil –, de Menezes para Ferreira Leite e até de Ferreira Leite para Pedro Passos Coelho. Depois de Meireles pai se reformar veio Meireles filho – e com a chegada de Rio pôs-se termo à dinastia de motoristas transmontanos no PSD. 

Duas décadas depois, a São Caetano está sem Zeca Mendonça, na Presidência da República após a saída de Passos, e sem um Meireles ao volante do carro do líder. 

Mudam-se os tempos…