Ser ou não ser ‘muleta’ do PS…

Sem direito a fanfarras, foi finalmente apresentado o novíssimo Conselho Estratégico Nacional, inventado por Rui Rio para iluminar os destinos do PSD, como grande pedra angular do seu mandato. 

Na pele de alquimista, Rio resolveu partir para uma experiência laboratorial que, se «for um êxito, os outros partidos não têm remédio senão fazer coisa parecida, se não ficam para trás». Presunção e água benta…. 
Trata-se de uma megaestrutura com 32 cabeças pensantes, entre coordenadores e porta-vozes, com muitos cabelos grisalhos, seguindo uma lógica inversa à de Pedro Passos Coelho.

Se a arquitetura do Conselho Estratégico (CEN) não prima pela simplicidade, a gestão do novo órgão, ainda sem abrigo estatutário, adivinha-se espinhosa. 

Quando um partido da oposição tem dificuldades óbvias em fazer-se ouvir a uma só voz, pode imaginar-se a cacofonia que resultará de 16 porta-vozes de outras tantas especialidades, cabendo a Rio, por aquilo que se percebeu, o duplo papel de árbitro e ‘distribuidor de jogo’, consoante o seu superior juízo de oportunidade. 

E, como se não bastasse o CEN ficar repartido pelo país – a pretexto de motivar as distritais para «um novo espaço de militância do partido em Portugal» –, Rio quer juntar-lhe ainda uma comissão consultiva, composta por «personalidades independentes de reconhecido mérito». Quem serão? Depois se verá. 

Numa palavra: o CEN e respetivos apêndices reúnem, à partida, as melhores condições de ineficácia para não incomodar a ‘geringonça’. O que está, aliás, em conformidade com o perfil de Rio. 

Ensinava a famosa série inglesa Yes Prime Minister que, quando há um sarilho em política ou se quer tapar o sol com a peneira, recomenda-se, sem perda de tempo, uma comissão de inquérito ou um ‘conselho de sábios’ de qualquer coisa…
António Costa demonstrou no Verão passado que aprendeu essa lição, ao multiplicar as comissões de inquérito para os incêndios e para Tancos, com os resultados que se conhecem. 

A falta de comparência de Rio na oposição, desde que tomou posse, estará explicada pelo novelo em que se envolveu nos preliminares do CEN. 

Pior do que o CEN seria, contudo, imaginar o que faria Rio – que tanto deslumbrou o fundador e militante n.º 1 do PSD, Francisco Balsemão – se algum dia tivesse assento na residência oficial de S. Bento, sem ser como visita ou para rubricar auspiciosos entendimentos com o Executivo em funções.

Pode pois António Costa dormir sossegado, porque nem Rio vai disputar-lhe o lugar – se prosseguir nesta via –, nem os sociais-democratas, descontadas as exceções, revelam suficiente ambição para se constituírem numa verdadeira alternativa às esquerdas. Como disse Luís Montenegro, o PSD arrisca-se, pela mão de Rio, a ser «a muleta do PS».
Neste ‘recentramento’ socialista, até Francisco Assis – um dos raros críticos no interior do partido – atirou a toalha ao chão e dobrou a cerviz, em artigo de opinião no Público, perante os «méritos pessoais do ministro das Finanças e as opções políticas fundamentais feitas pelo primeiro-ministro», cujas qualidades políticas enalteceu. 

Afinal, as eleições europeias estão perto, Assis tem consciência disso e deve preferir os ares civilizados de Estrasburgo e Bruxelas às rotinas nortenhas. 

O certo é que, enquanto à esquerda o PCP e o Bloco se fingem de carpideiras atraiçoadas pelas ‘maldades’ de Centeno (com Catarina Martins a meter a viola no saco após o falhado ultimato ao ministro), à direita Rio entretém o PSD com um CEN mastodôntico, enquanto ensaia o ‘concubinato’ com António Costa, assinando os primeiros acordos de ‘coabitação’.
Curiosa ironia: selam-se compromissos de fundo, com sérias implicações para o país, entre um primeiro-ministro rejeitado nas urnas e o líder do maior partido da oposição, que não foi a votos nessas eleições. 

Claro que Rio já se esqueceu do que vale a palavra do atual PS em matéria de acordos. Conviria que alguém lhe refrescasse a memória sobre o que se passou na reforma do IRC, um pacto celebrado entre Passos Coelho e António José Seguro, rasgado sem hesitação por Costa, como coisa descartável…

Nota perplexa: Sete deputados insulares fazem uso de um expediente para elevar a fasquia da sua remuneração. Segundo o Expresso, são reembolsados por viagens pagas pela Assembleia da República. Esta duplicação de abonos justificou a renúncia ao mandato do único deputado do Bloco nas ilhas, «após reflexão» ética. Mas Carlos César, presidente e líder parlamentar do PS, um dos visados, não acusou o toque nem teve nenhum sobressalto, com o patrocínio de Ferro Rodrigues. E acha, sem se rir, «irrepreensível» a sua conduta. Está tudo dito…