Costa, o bom

Interpelado sobre a delicada questão do (não) aumento dos funcionários públicos, António Costa chutou para canto: é cedo para falar do assunto.

Este modo de abordar os problemas marca um contraste flagrante com o seu antecessor.

Enquanto Passos Coelho fazia questão de ser ele a anunciar ao país as medidas impopulares, como a subida da TSU para os trabalhadores – uma das mais polémicas decisões políticas tomadas em Portugal nos tempos recentes, dando origem a gigantescas manifestações e obrigando o Governo a recuar –, António Costa foge a sete pés de todos os temas que possam causar controvérsia.

Passos Coelho punha-se à frente do grupo de forcados e ia para a cabeça do touro, enquanto António Costa se põe na cauda da fila, só se aproximando do touro depois de consumada a pega.

É este o modo – aliás, muito hábil – de António Costa fazer política.

Ainda recentemente, na questão dos protestos na Cultura, Costa usou um estratagema semelhante.
A questão era muito sensível, pois o atual primeiro-ministro estava a ser acusado pelos artistas de ingratidão e falsidade.
Os artistas alegavam que, depois de terem apoiado ativamente António Costa na subida à liderança do PS e ao Governo, este esquecera-se das promessas feitas, virara-lhes as costas e nunca mais quisera saber deles.
Vendo-se pessoalmente em causa, o que fez Costa?

Primeiro disse desconhecer a questão; depois chamou o assunto a si, ultrapassando o ministro da Cultura; finalmente afirmou tratar-se de um mal-entendido e anunciou um acréscimo de 2,2 milhões nos subsídios.
Costa fez o papel de ‘polícia bom’, deixando para o ministro da Cultura o papel de ‘polícia mau’.
Fora este o culpado pelos exíguos subsídios ao teatro.

E o mesmo se passara nos incêndios.Depois da catástrofe, António Costa partiu rapidamente para férias, deixando a batata quente para a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa.
E depois de queimada a ministra, Costa pôde reaparecer mais tarde, de mãos limpas, como o homem que iniciava o caminho da regeneração.

Surgiu no Pinhal de Leiria, com grande aparato, a plantar uma árvore – por sinal, um sobreiro! – e apresentou-se depois no terreno, vestido de camuflado, na companhia de uma grande comitiva, a limpar uma mata.
Ou seja, António Costa não só se livrou do ónus da catástrofe como acabou por surgir no rescaldo desta tragédia como o bom da fita, iniciando o processo de reflorestação do histórico Pinhal de Leiria e precavendo novos incêndios no país.

E em Tancos?    Passou-se quase o mesmo: Costa deixou ao ministro da Defesa, Azeredo Lopes, as explicações sobre o inexplicável roubo no paiol, resguardou-se, atirou o ministro para os braços de Marcelo numa acabrunhante visita à Base – e nunca viu o seu nome associado ao problema. 
E na CGD?

Os tristes episódios da nomeação e destituição de António Domingues foram sempre assumidos pelo ministro das Finanças, Mário Centeno. 
Costa nunca levantou um dedo para proteger o seu ministro, antes o deixou sozinho, embrulhado em explicações atabalhoadas e acusado, até, de ter mentido.
Chegou-se ao ponto de Centeno fazer uma intervenção pública assumindo todas as responsabilidades e tirando António Costa do processo. 
A estratégia do primeiro-ministro tem sido, pois, sempre a mesma. 

Afastando-se das complicações, desautorizando ou atirando às feras os seus ministros, distribuindo pessoalmente benesses como se fossem uma generosidade sua, António Costa tem mostrado uma habilidade invulgar.
Não sei, porém, se este modo de governar poderá durar indefinidamente.
No caso da Cultura, o que se passou foi muito grave.
Para lá de colocar o ministro numa posição falsa, António Costa ‘resolveu’ o problema atirando sobre ele umas mãos cheias de euros.
Ora, atuar desse modo só estimula os protestos e a contestação.

Quando um Governo dá mais uns milhões de euros a um grupo de pessoas pelo simples facto de barafustarem, todos os outros grupos sentir-se-ão tentados a fazer o mesmo.

Se fazer barulho compensa, se é essa a forma de alcançar os objetivos, então vamos para a rua protestar – é o que naturalmente pensarão todos aqueles que se sentem injustiçados ou mal pagos.
Ceder sob a pressão da rua viola todas as boas práticas de governo.
E passar por cima dos ministros ou usá-los como escudo pode dar muito jeito – mas abre feridas difíceis de sarar.