Millenials. Modernos mas à antiga

Os estudos são controversos, uns apontam para o fim das lojas físicas, outros admitem que, a maioria dos jovens dos 18 aos 35 anos, continua a preferir as lojas físicas para fazer compras, apesar de dominarem como ninguém as plataformas digitais. O i falou com quatro jovens sobre os seus hábitos de consumo

Os Millennials são a “Geração da Internet”. Nasceram na era dos equipamentos eletrónicos, do crescimento rápido do online e do mundo das redes sociais. Desde pequenos, criaram uma relação íntima com as novas tecnologias e dominam a internet como ninguém. E quando muitos estudos apontam para o fim das lojas físicas como escolha destes consumidores, surgiu agora uma luz ao fundo do túnel: a rutura está longe de acontecer.

De acordo com o “Observador Cetelem de 2018”, afinal esta geração gosta de ir às lojas, apesar de toda a oferta que há online. Segundo o estudo, “57% dos Millennials europeus e 58% dos portugueses surpreendem quando afirmam que gostam e lhes dá prazer fazer compras, além de continuarem a preferir as lojas físicas ao comércio online”.

Catarina Sobrinho tem 20 anos e faz parte do grupo de Millenialls que ainda escolhe as lojas para ir às compras, porque “permitem um acompanhamento do cliente e dão-nos a possibilidade de ver, tocar e experimentar o produto”.

Também Adriano de Almeida, de 20 anos, prefere comprar em lojas físicas, porque assim consegue “ter uma melhor perceção da qualidade dos produtos”. O estudante valoriza também a “relação humana entre o vendedor e o comprador”.

Mas há quem seja mais cético. Frederico Farreca, de 25 anos, concorda que “comprar em loja transmite outra segurança, pois podemos ver, experimentar e ter um contacto direto com o bem”. Contudo, para o técnico financeiro e de contabilidade, a escolha entre uma loja ou o online depende do produto que quer comprar.

“Quando preciso de roupa, até posso ver alguma coisa que goste na internet, mas nunca compro sem experimentar primeiro. No entanto, se estivermos a falar de um artigo mais tecnológico, como um telemóvel ou algo do género, não tenho qualquer problema em comprar numa loja online”, explica ao i.

As razões que fazem das lojas atraentes aos olhos dos jovens desta geração poderiam ser resumidas pelo conceito de “experiência de produto”. Para 60% dos jovens europeus inquiridos no estudo é essencial ver e tocar no produto.

Mais de metade (54%) apreciam o facto da compra ser imediata, permitindo levar logo o que se escolheu para casa e 40% gostam de poder beneficiar de uma demonstração que irá reforçar a sua escolha.

Já Carla Pinto Silva, de 34 anos, contraria o estudo. A diretora de recursos humanos, comunicação e imagem conta que prefere comprar produtos online e admite que o faz cada vez mais. “Online acabo por conseguir uma poupança maior do que nas lojas físicas”, refere.

Além da poupança, a ex-jornalista da TVI salienta a simplicidade de fazer compras online. “Hoje é tudo tão fácil e os sites já estão tão preparados e tão programados para a pessoa pôr o número que veste, o produto que quer, na cor que idealiza, na marca que costuma usar ou que prefere, que perde-se aquela importância que as lojas físicas tinham antes”, afirma.

Acompanhamento online De acordo com o “Observador Cetelem 2018”, mais de metade (55%) dos membros europeus da também conhecida como Geração Y declara que fazem o acompanhamento de, pelo menos, uma loja nas redes sociais. Os vídeos publicados pelas lojas nas redes sociais transformam-se numa fonte de informação para um em cada dois Millennials.

Carla Pinto Silva usa as plataformas digitais das lojas para “acompanhar as tendências e as promoções”. Além das redes sociais, a ex-jornalista subscreve newsletters de marcas que gosta.

Adriano de Almeida diz acompanhar os sites e as redes sociais de poucas lojas e fá-lo principalmente com o objetivo de procurar produtos para poder comprar nas lojas. Contudo, o estudante reconhece que as lojas online têm vantagens. “Há um catálogo mais extenso, onde podemos escolher o que queremos e comprá-lo sem sair de casa”, afirma.

Para Frederico Farreca, as plataformas digitais das lojas servem para se manter “sempre a par das novidades, tanto ao nível de novos produtos como ao nível de promoções”. Confessa que a possibilidade de comprar coisas sem sair de casa é uma vantagem. “Normalmente, nas lojas físicas, estamos sujeitos a uma maior confusão provocada pelo número de clientes e pode não haver uma ou outra coisa em stock. Já nas lojas online, existe sempre stock e podemos comprar sentados no sofá e completamente confortáveis”, explica o jovem.

A rapidez com que é possível fazer compras na internet também agrada a Catarina Sobrinho, que usa o digital para inteirar-se “dos descontos e dos catálogos” das lojas. “O online evita que tenhamos de nos deslocar e permite ter uma visão categorizada de todos os produtos para venda”, constata.

As lojas físicas vão acabar? Na luta entre o comércio eletrónico e as lojas, o estudo destaca que a convivência é uma realidade. Para os Millennials, não existe uma transferência completa para o digital e a rutura com os estabelecimentos parece estar longe de acontecer. Ao contrário do que se poderia pensar, os chamados “nativos digitais” não querem que os estabelecimentos comerciais desapareçam.

“É notório que estamos a caminhar para o fim das lojas físicas”, reconhece Fredrico Farreca. Contudo, o profissional da área da contabilidade não concorda que isso deva acontecer, até porque o fecho de lojas implica que “haja cada vez menos postos de trabalho para pessoas sem uma formação universitária ou menos especializada”.

Catarina Sobrinho pensa que o fim das lojas físicas pode vir a acontecer no futuro, mas a ideia não lhe agrada. “Considero importante o papel dos vendedores das lojas. Além disso, é bom que as pessoas tenham a possibilidade de ver os produtos no local antes de se comprometerem a comprar ou antes de comprarem algo de que não gostam”, explica a estudante de 20 anos.

Já Adriano de Almeida acha que, apesar de as compras online estarem a crescer, isso não significa que as lojas físicas vão acabar. Além disso, não concorda que isso deva acontecer, “porque deve haver mais gente que, como eu, prefere ver os produtos ao vivo”, esclarece.

Por outro lado, Carla Pinto Silva afirma que o fecho das lojas não iria trazer grandes diferenças à sua vida, uma vez que “a tendência é cada vez mais o digital”. “Para mim, não havia grande problema se a maior parte das lojas físicas acabasse, porque eu sou mais de comprar online”, indica.

Mas há uma coisa com que todos concordam: as lojas vão ter de mudar para se adaptarem aos avanços tecnológicos.

Para Carla Pinto Silva, as lojas “vão ter de inovar e produzir uma mudança drástica e o mais rápido possível, porque senão vão ser engolidas por esse mundo do digital”.

Frederico Farreca afirma mesmo que essa mudança “inevitável” já começou e dá exemplos. “Já existem caixas automáticas em várias cadeias de supermercados e, em alguns restaurantes de fast food, os pedidos já são feitos de forma digital. Ou seja, trabalhos que antes eram feitos por colaboradores passaram a ser feitos pelos clientes e a verdade é que nós, enquanto clientes, não nos importamos, porque as compras até se tornam mais simples”, refere.

Também Catarina Sobrinho não tem dúvidas de que “a tendência é que as lojas se tornem cada vez mais tecnológicas e cada vez menos necessitadas de trabalhadores”.

Para combater a predominância do digital, a estudante de 20 anos sugere que as lojas se tornem “mais atrativas”. “Podia haver produtos exclusivos nas lojas físicas que não estivessem disponíveis nos sites ou promoções especiais para os clientes que de deslocam às lojas”, propõe.

Adriano de Almeida defende que as lojas físicas devem ”proporcionar uma experiência mais singular do que estamos habituados, de modo a superar uma simples ida às compras e oferecer algo mais”.

Ponderados e responsáveis De acordo com o estudo do Cetelem, os Millennials europeus veem-se como responsáveis e pragmáticos e isso percebe-se quando fazem compras. Dos inquiridos, 73% declaram que põem dinheiro de lado para consumir.

Além de serem ponderados na hora de consumir, os jovens privilegiam a qualidade em relação à quantidade. Os resultados mostram que 72% dos membros da Geração Millennials preferem comprar menos, mas melhor.

Catarina Sobrinho revela que é uma pessoa ponderada no que toca a compras. “Raramente olho e compro algum produto”, afirma. A estudante diz ainda preferir adquirir poucos produtos, mas de qualidade.

Também Frederico Farreca refere que pensa bem antes de comprar algum produto. “Tento sempre ter a certeza de que é uma coisa que gosto e que não vou deixar de usar muito rapidamente ou que me vou fartar”, conta. O jovem evidencia que compra, na maioria das vezes, produtos de que precisa realmente. Quanto à qualidade, o técnico financeiro e de contabilidade diz procurar um equilíbrio. “Tento ir comprando produtos de melhor qualidade que, como é normal, terão uma duração maior. No entanto, a qualidade paga-se e, por isso, tento gerir da melhor maneira, pois nem sempre dá para adquirir produtos melhores e tenho de me contentar com outros de menor qualidade”, explica.

Carla Pinto Silva descreve-se como uma pessoa que “não compra só por comprar”. Revela ser muito ponderada nas compras e, regra geral, adquire um produto apenas quando é realmente útil. “Compro quando preciso e tento comprar uma coisa de que goste”, afirma.

A ex-jornalista prefere comprar produtos de melhor qualidade, mas diz que isso não é uma regra. “Tenho sempre preferência por marcas que gosto de utilizar e que me dizem alguma coisa. Contudo, por vezes, também consigo encontrar coisas mais baratas de que gosto e preciso em lojas que não são de alta grife”.

Já Adriano de Almeida diz debater-se muitas vezes com o dilema qualidade/preço e refere que foi uma aprendizagem. “Com o tempo fui percebendo que vale a pena comprar mais caro para durar mais tempo”.

O estudante descreve-se também como uma pessoa ponderada nas compras e diz que adquire produtos mais por necessidade, tentando “dar uso às coisas durante bastante tempo”. Há, no entanto, artigos que gosta efetivamente de comprar, como “instrumentos musicais, livros e CDs”.

"Otimistas racionais" Depois dos choques registados nos últimos anos, os resultados do Observador Cetelem 2018 demonstram que há um reencontro do otimismo e da confiança dos jovens na sua situação financeira pessoal e na situação financeira do país.

De acordo com o estudo, depois de vários anos com avaliações negativas, a classificação média atribuída pelos europeus à situação do seu país é agora positiva (5,3 numa escala de 1 a 10). Em 2007, esta classificação foi de 4,9 e, em 2013, foi de 3,7.

Para Carla Pinto Silva, depois da crise que o país sofreu, há uma ligeira melhoria em termos económicos. “Há uma recuperação em termos de défice, em termos de PIB e em termos de taxa de desemprego”, afirma.

Adriano de Almeida está de acordo e refere que atualmente “Portugal encontra-se numa fase de crescimento financeiro face ao período de crise, o que se traduz num crescente poder de compra da classe média”. No entanto, defende que ainda há muito a fazer “para melhorar a posição financeira do país”.

Também Frederico Farreca reconhece que o país se encontra num bom caminho. Apesar de achar que a situação ainda não é a ideal, o técnico financeiro e de contabilidade afirma que ”já se vão notando algumas diferenças”.

“Acho que o país continua com pouco dinheiro, mas está melhor do que há uns anos. Está, aos poucos, a recuperar da crise que houve”, defende Catarina Sobrinho.

Ano após ano, os europeus mostram-se também cada vez mais otimistas em relação à sua situação pessoal. Segundo o documento, este ano, a classificação média atribuída pelos jovens europeus à sua situação financeira pessoal foi de 5,8 (numa escala de 1 a 10), um ponto mais alta do que há cinco anos.

Adriano de Almeida não identifica uma melhoria na sua situação pessoal. “Considero que a minha situação financeira se manteve estável nos últimos anos. Da mesma forma, creio que o meu poder de compra se manteve estável”.

Já Carla Pinto Silva fala de um crescimento. “A minha situação pessoal melhorou, em termos financeiros, nos últimos anos. Penso que houve uma melhoria também agregada à recuperação económica do país”, explica. Sobre o poder de compra, refere que “aumentou francamente”.

Frederico Farreca acabou a licenciatura recentemente e, por isso, afirma que a sua situação financeira melhorou. “Comecei a trabalhar e a ter a minha independência financeira”. Consequentemente, o poder de compra aumentou. “Pude comprar o meu carro, continuar a investir nos estudos e comprar outro tipo de coisas que durante o tempo que estive na faculdade não tinha oportunidade de comprar”, salienta o jovem de 26 anos.

Catarina Sobrinho ainda é estudante e, portanto, “dependente dos pais”. “A minha situação financeira melhora se a deles melhorar. Nos últimos tempos, acho que melhorou ligeiramente”, conta.

Esta boa saúde económica pessoal traduz-se em intenções de consumo. Quase metade (47%) dos Millennials europeus referidos no estudo do Cetelem pretendem aumentar o seu consumo nos próximos 12 meses. Em termos de poupança, 45% pretendem economizar mais. A ideia de que os jovens são irresponsáveis e não pensem em poupar para o futuro é contrariada no estudo.

Frederico Farreca tem como objetivo investir em si mesmo. “Pretendo continuar a estudar e tentar fazer o máximo de viagens que conseguir”, indica. Por outro lado, o jovem diz procurar sempre “ter uma almofada financeira confortável”, que lhe permita “fazer face a alguma situação urgente que possa surgir”.

Também Carla Pinto Silva diz que poupar é uma regra. “Sou muito poupada. Tenho uma regra de cumprir normalmente as minhas poupanças, pensando também obviamente naquilo que preciso de gastar, que é mais ou menos o mesmo todos os meses. Tento sempre poupar uma parte, para manter a minha viabilidade financeira no futuro”, explica.

Para Adriano de Almeida, poupar é uma preocupação. “Pretendo manter alguns gastos menos essenciais, mas apenas enquanto isso não comprometer as minhas poupanças”, esclarece.

Conclusão do estudo: os jovens estão mais otimistas, acreditam que a sua situação económica vai melhorar e, boa parte deles, ainda não perdeu hábitos antigos como fazer compras em lojas de rua, deixando a internet para outras atividades…