Vistos Gold. “É um esquema de prostituição das cidadanias europeias”

Ana Gomes eurodeputada e vice-presidente da Comissão sobre Crimes Financeiros do Parlamento Europeu quer investigar os brasileiros que foram beneficiados com os vistos gold

Ana Gomes, eurodeputada e vice-presidente da Comissão sobre Crimes Financeiros do Parlamento Europeu, classificou o programa dos vistos gold como “um esquema perverso”, adiantando que se trata de “um esquema de prostituição das cidadanias europeias e que põe em causa a segurança na zona Schengen. Acho que é um esquema de importação da corrupção e da criminalidade organizada para a União Europeia”.

Ao i explicou ainda que não é contra o facto de os vistos gold serem concebidos de forma gratuita pelas autoridades do país ao “reconhecerem serviços especiais decretados por alguma personalidade”, mas é sim contra o visto gold ser vendido “num esquema de favorecimento da corrupção”.

Em Portugal, Ana Gomes teve dificuldade em ter acesso à lista dos beneficiados por este programa, já que segundo a Comissão Nacional da Proteção de Dados a divulgação dessa lista é uma violação da privacidade.

“Não peço as moradas, não peço as contas bancárias, peço os nomes das pessoas e até hoje sempre me foi negada. A única explicação que eu vejo é que se tiver acesso a essa lista vou encontrar lá uma série de pessoas com registos criminais nos seus países de origem e que não foram sujeitos a diligências por ninguém em Portugal”.

No entanto, não desiste e continua em cima do caso, achando “inacreditável” que até hoje ninguém lhe tenha “facultado a lista das pessoas a quem foram concebidos os vistos gold”, sublinhando que “falta tudo” no processo de aplicação dos vistos.

Ao jornal “O Globo”, frisou que este esquema tem de acabar e que “a única transparência possível é haver um sistema de concessão política, com base na análise das contribuições de pessoas com ligação a Portugal que vivem efetivamente em Portugal”.

Investigação

A eurodeputada pretende investigar os brasileiros que beneficiaram dos vistos gold em Portugal, dando como exemplo os vistos que foram concedidos a pelo menos três arguidos envolvidos na operação Lava Jato: Otávio Azevedo, ex-presidente da construtora Andrade Gutierrez, Sérgio Lins Andrade, acionista da empresa referida anteriormente e Pedro Novis, ex-presidente da Odebrecht. “Os casos brasileiros encontrados e já expostos são a demonstração de que as obrigações de due diligence [processo de investigação de possíveis investidores] por parte das imobiliárias, bancos e advogados não foram feitas. Sem falar nas próprias autoridades da administração portuguesa. Portanto, aí tem a demonstração que realmente a due diligence não é feita em violação às diretivas europeias contra a lavagem de dinheiro”, sublinhou.

Desde que o programa foi criado em 2012, que em Portugal foram beneficiados 451 brasileiros. Para que os estrangeiros possam ter acesso a esta modalidade de vistos têm de comprar um imóvel, no valor mínimo de 500 mil euros. Após cinco anos da compra do imóvel obtêm a cidadania portuguesa. “Se me derem dados concretos, eu gostaria muito de ter acesso a esta lista de 451 cidadãos brasileiros. Saber quem eles são. Muitos, eu poderei saber, outros, só com ajuda dos parceiros brasileiros. Isso seria muito útil e estou à disposição para colaborar com as autoridades policiais, judiciárias, parlamentares ou da sociedade civil”, realçou, em declarações ao mesmo jornal.

Organização Transparência e Integridade

A organização Transparência e Integridade em fevereiro já tinha pedido ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), ao Ministério da Economia e ao gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais acesso à informação ligada aos vistos gold e o impacto que estes têm economicamente no país. No entanto, por parte do SEF não obteve qualquer resposta, o Ministério da Economia remeteu o pedido para o Ministério da Administração Interna, já o Gabinete dos Assuntos Fiscais referiu que essa informação não estava organizada em arquivo. Perante esta situação, a organização pediu para que os vistos gold fossem suspensos imediatamente, de forma a evitar o risco de facilidade de ocorrência de crime organizado e de lavagem de dinheiro.

Agora, Ana Gomes volta a reforçar o pedido: “se a China tem um limite máximo de envio de dinheiro para o exterior de 50 mil euros por ano, é evidente que o esquema só pode ser fraudulento ou criminoso”.

No final do ano será apresentado o relatório que está a ser elaborado pela Comissão sobre o vistos gold.

O programa entrou em vigor em 2012 e entre a sua data de criação e 2017, os vistos representaram um investimento de 656 mil milhões de euros, dos quais 595 mil milhões de euros foi apenas em aquisição de imóveis.