A Vanessa percebe muito bem o Costa

A Vanessa diz-me agora que o Costa lembra-a ela, numa altura em que se sentia sozinha e infeliz, andou com uns gajos por puro interesse, porque lhe davam a sensação de ter maioria absoluta. Quando se sentiu bem sozinha, mandou-os todos passear.

Então é assim: toda a gente sabe que o amor é raro, apesar de episodicamente acontecer. Acontece o mesmo com a paixão súbita, que é o deslumbramento extravagante. O que é que se faz no resto do tempo, a maior parte da vida? Come-se, bebe-se, cansamo-nos, trabalhamos, fazemos ‘o que temos a fazer’ e tentamos ‘cumprir os objetivos’. A maldição dos ‘objetivos’. No intervalo, enganamos pessoas, deixamo-nos enganar, fingimos acreditar em histórias que nós próprios inventamos, tratamos da vida. E da vidinha. Nunca esquecer o papel fundamental que o tratar da vidinha representa. E é então que nos perguntamos se éramos nós a fazer uma data de coisas ou um nosso avatar a representar por nós um papel que, afinal, abjurávamos. 

Lembrei-me disto porque a Vanessa ligou-me esta semana por causa do crescente centrismo do Governo que parece, neste momento, ‘esnobar’ – como dizem os brasileiros – os partidos à sua esquerda.

– Já viste que o Costa está a distanciar-se do PCP e do Bloco de Esquerda? Já não percebo nada disto. Este PS não era mais esquerdista do que o outro? O do Seguro, lembras-te? Não era o Seguro que era à direita e o Costa que era à esquerda?

– Estou cansada, Vanessa.

Quando o tempo resolve saltar dos 12 graus para os 24, o meu corpo ressente-se. Dói-me a garganta. A primavera é dura, o verão é duro, o entusiasmo juvenil com a subida das temperaturas já não é para a minha idade.

Na realidade, isto foi uma fórmula de tentar chamar a atenção para outra coisa, porque não me apetecia discutir política com a Vanessa. 

Tentei introduzir outro assunto.

– Viste o último episódio da Segurança Nacional?

– Vi. Não podemos confiar em ninguém, não é? Está tudo por conta dos russos. 

– Não está tudo por conta dos russos, a Carrie Mathison não está por conta dos russos, o Saul Berenson não está por conta dos russos. Não podemos ser tremendistas. 

Pensava eu que, ao levar a Vanessa para o grandioso tema ‘Séries Televisivas que Adoramos’, escapava a teorizar sobre os novos tempos do PS. É verdade que eu adoro discutir política, mas não me apetece passar todo o tempo livre que tenho a debater se o PSD está mais forte ou mais fraco, o PS mais à direita, qual o grau de humilhação infligido nos últimos dias ao partidos da esquerda… 

E enquanto eu pensava que a Carrie Mathison tem estado magnífica nesta temporada (aliás, esteve quase em todas), que as malas a tiracolo e os cachecóis ainda parecem mais fantásticos que nos anteriores (e era difícil superar) a Vanessa saiu-se com uma um bocado imprevisível.

– O António Costa lembra-me eu.

– Tu?

– Sim, eu numa fase da minha vida. Não te lembras de como eu estava depois de me ter separado do Zé?

Eu lembrava-me mais ou menos.

– Oh pá, estava péssima! Sentia-me muito sozinha, precisava de companhia. E na altura andei com uns gajos que me davam a sensação de ter maioria, tás a ver? Como o Costa com o PCP e o Bloco!

– Estás a comparar-te ao Costa?

– De certa maneira, sim. Eu sentia-me infeliz a seguir ao divórcio. Infeliz e sozinha, como o Costa depois de ter perdido as eleições para o Passos Coelho. E então andei com uns gajos por puro interesse. Eu não gostava assim tanto deles, ‘tás a ver? Não os amava! Às vezes até me apetecia vê-los pelas costas. Mas precisava de sentir que não tinha perdido tudo, entendes?. O meu ego precisava daquelas coligações! Eu não me custa a admitir que tive relações de interesse.

A verdade é que quando me comecei a sentir bem sozinha, pu-los a andar. Eu percebo o Costa, já estive daquele lado.