‘As PPP estão para Portugal como o toucinho para o Alcorão’

Contexto histórico, alguma frieza e boas metáforas. Nem a saída do Governo, fez Rocha Andrade perder o à vontade e a assertividade. 

Em Águeda, celebrou-se o 25 de Abril a preceito e com ambição. A autarquia, liderada por um movimento independente, organizou um debate no centro de artes local sobre uma eventual reforma do sistema democrático, convidando o ex-candidato presidencial Paulo Morais, o ex-secretário de Estado Rocha Andrade e o deputado do CDS António Carlos Monteiro. Dois jornalistas também estiveram no painel. 

Numa das intervenções mais marcantes da noite, Rocha Andrade, agora deputado do Partido Socialista na Comissão de Assuntos Constitucionais, fez um diagnóstico frio sobre a classe política portuguesa. «Nós temos poucos anos de prática e a população menos instruída da Europa, o que coloca as nossas discussões perante muitas fragilidades», afirmou, comparando-a às realidades anglo-saxónica ou escandinava. 

«Ninguém nasce político numa democracia. Alguns passam pela política e vão sobrevivendo, alguns fartam-se e vão-se embora, alguns passam e não sobrevivem, sendo excluídos pelo sistema. Numa democracia, é verdade, é preciso aceitação para sobreviver», constatou o parlamentar e antigo governante do PS. 

«A quem defender posições frontalmente contrárias ao sentimento do eleitorado, o partido encarregar-se-á de fazer desaparecer pela porta dos fundos, substituindo-o por um outro, mais conforme à que seja preferência do eleitorado. É nesse sentido que os eleitorados determinam os partidos…», contextualizou também, na sessão pública. E a contextualização serviu de abertura a um tabu. 

«Hoje, PPP [parceria público-privada] é uma palavra maldita. Verdadeiramente, está para a democracia portuguesa como o toucinho está para o Alcorão». 

Mas, afinal, como é que apareceram as PPP em Portugal?, lançou o anzol, inquirindo retoricamente. Apareceram  nos governos Guterres. E porquê? «Era preciso descer o défice por causa da adesão ao euro. E as pessoas queriam estradas», recorda. «Há uma grande demonização do país que quis fazer as estradas, como se tivesse havido um ministro a querer fazer estradas contra a vontade do país inteiro». E não terá sido assim, prosseguiu Rocha Andrade, à data assessor de António Costa na Assembleia da República. «Na altura, no parlamento, era eu assessor de António Costa e lembro-me bem, o antigo ministro Ferreira do Amaral, sentado na bancada do PSD, a gozar com o ministro João Cravinho, dizendo que ali sentado já fizera ‘mais autoestradas que o sr. ministro’ porque ainda se continuavam a executar».

«O país reivindicava estradas, a Oposição, o Governo, os deputados da maioria, os autarcas, toda a gente queria estradas!», exclamou o professor universitário em Águeda, num distrito que também é o seu. «As PPP foram a resposta política a essa tripla necessidade; descer o défice e fazer autoestradas, e já agora, sem portagens».

«Quando se tentou pôr portagens no Oeste, enfrentou-se uma grande coligação negativa numa votação parlamentar, feita pelo Júlio Sebastião com o agora mais famoso Felicinao Barreiras Duarte», brincou, nostalgicamente o socialista, referindo-se à investigação do SOL que levou à demissão de Barreiras Duarte de secretário-geral do PSD, este ano.