Alfie Evans. O bebé que Itália queria salvar, mas Inglaterra não deixou

O bebé britânico, de 23 meses, tinha uma doença degenerativa e incurável. Morreu no sábado, depois dos pais perderem uma batalha judicial para transferir o filho para um hospital no Vaticano, onde seria mantido o suporte de vida

O bebé britânico Alfie Evans, de 23 meses, tinha uma doença neurológica degenerativa e incurável, que lhe causou danos cerebrais irreversíveis. Nasceu em maio de 2016 e foi internado no Hospital Pediátrico Alder Hey, em Liverpool, meses depois, em dezembro, na sequência de graves convulsões. Passou o resto da vida em ambiente hospitalar. Os exames realizados ao longo do tempo mostravam, segundo a equipa médica, “uma degradação catastrófica dos tecidos cerebrais”, garantindo que nesse cenário era “inútil” prosseguir tratamentos que seriam “cruéis” ou “desumanos”.

Os pais da criança – Tom Evans, de 21 anos, e Kate James, de 20 anos – recusaram-se a aceitar a decisão e Tom chegou mesmo a sugerir que Alfie tinha sido transformado num “prisioneiro” do hospital, depois de ter sido mal diagnosticado.

Durante meses, o casal e os médicos enfrentaram-se numa batalha judicial, com o tribunal a manter-se do lado da equipa médica. Apesar de reconhecerem que se tratava de um caso “desesperadamente triste”, os juízes britânicos declararam que não havia esperança de que o menino alguma vez melhorasse e até o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos se recusou a rever o caso.

Um “exército” a apoiar Alfie

Tom Evans tentou mobilizar o máximo de pessoas e criou um grupo de apoiantes nas redes sociais chamado “Alfie’s Army” (Exército de Alfie). Além disso, e por ser católico, solicitou ajuda à Igreja e falou com o Papa Francisco, que não só o recebeu como manifestou apoio e pediu que fossem respeitados os desejos da família da criança. No entender do Pontífice, só Deus pode decidir quem vive e quem morre. O Hospital Pediátrico Bambino Gesu, do Vaticano, por sua vez, disponibilizou-se para receber o menino.

Parecia haver motivos para alimentar uma nova nova esperança. Os pais de Alfie pediram ao tribunal que autorizasse que a criança fosse transferida para Itália, para ser mantido o suporte de vida.

Também as autoridades italianas se uniram à causa. A diretora do Hospital Bambino Gesu, Mariella Enoc, indicou que o Ministério da Defesa italiano tinha um avião a postos para transportar Alfie, caso tal fosse autorizado.

Para facilitar a chegada e o transporte do bebé, o Ministério dos Negócios Estrangeiros italiano tomou até a decisão de conceder a Alfie a cidadania italiana. Depois dessa decisão, o embaixador de Itália em Londres avisou que, se o hospital desligasse a máquina e o bebé morresse, Itália agiria contra o Estado britânico por homicídio de um cidadão seu.

Apesar de todos os esforços, e depois de vários recursos que se esgotaram na segunda-feira, a decisão judicial foi sempre a mesma: dar razão aos médicos ingleses e impedir Alfie de viajar. O tribunal justificou que temia que o bebé não sobrevivesse à viagem até Itália.

O desligar das máquinas 

Na noite de segunda-feira, as máquinas que ajudavam Alfie a respirar foram desligadas, por decisão da equipa médica do Hospital Pediátrico Alder Hey. Na sua óptica, não valia a pena continuar com o auxílio na respiração do bebé, devendo administrar-lhe os cuidados paliativos para que morresse sem sofrimento. 

Contudo, para surpresa de todos, o menino conseguiu respirar sozinho durante seis horas, até que os médicos concordaram voltar a oxigenar e hidratar o bebé, que ficou a respirar apenas com a ajuda de oxigénio.

Um dia depois, 24 de abril, perante a resistência de Alfie, o juiz aceitou novamente ouvir os pais e o hospital. Não permitiu que o menino fosse transferido para Itália, mas pediu ao hospital para avaliar a possibilidade de deixar a criança ir para casa. Descrevendo Alfie como “lutador, resistente, valente e guerreiro”, o juiz solicitou que fossem exploradas todas as opções de cuidados paliativos, “criativa e ambiciosamente”. Os pais recorreram ainda desta decisão, mas, na quarta-feira, um tribunal superior ratificou a deliberação.

Na quinta-feira, Tom e Kate reuniram com os médicos para tentarem levar Alfie para casa. O pai do menino disse acreditar que o filho não precisava de mais cuidados intensivos, uma vez que “está deitado na cama com um litro de oxigénio a correr nos pulmões e o resto é ele”. Tom Evans admitiu ainda que o caso “não é um milagre” e sim um “diagnóstico incorreto”.

Mais uma vez, o pedido dos pais não foi correspondido e o menino permaneceu no hospital, onde acabou por morrer, no sábado. “O meu gladiador ganhou o seu escudo e as suas asas às 02h30 … absolutamente desconsolado“, escreveu o pai, Tom Evans, na sua página de Facebook.

Reações e homenagens

O caso de Alfie e a batalha dos pais atraiu atenções a nível mundial. Logo nas primeiras duas horas após a publicação, a mensagem do pai de Alfie foi partilhada milhares de vezes e recolheu quase 20 mil comentários. 

Os responsáveis da unidade hospitalar onde Alfie estava internado também reagiram à morte da criança, emitindo um comunicado onde expressam condolências à família. “Todos nós sentimos muito e os nossos pensamentos estão com Alfie, Kate e Tom. Isto foi uma experiência devastadora para eles”, escreveram os responsáveis do hospital.

As redondezas da unidade transformaram-se num local de homenagem e tributo ao pequeno Alfie e à família. O parque de Springfield, situado ao lado do hospital, ficou coberto de mensagens, peluches e flores.

Durante a tarde de sábado, houve uma largada de balões em memória da criança, uma iniciativa de homenagem organizada pelo movimento “Alfie’s Army” (Exército de Alfie). Também o Papa Francisco se mostrou “muito comovido” com a morte do “pequeno Alfie”. “Hoje rezo especialmente pelos seus pais, enquanto Deus Pai o recebe no seu terno abraço”, escreveu no Twitter.