Idriss Aberkane. “A ecobiologia é o chamado efeito borboleta”

Aos 31 anos, Idriss Aberkane tem três doutoramentos, em áreas tão distintas como neurociências e literatura comparada

Idriss Aberkane conversa com o i depois da sua intervenção no Ecobiology Summit, na qual abordou as diferentes aplicações deste campo de investigação. Aos 31 anos, o investigador, uma figura proeminente da comunidade muçulmana em França, é conhecido pelo feito de somar três doutoramentos em áreas totalmente distintas – neurociência, literatura comparada e geopolítica. O seu mais recente livro, “Libérez Votre Cerveau!”, vendeu mais de 200 mil cópias em todo o mundo. Tudo se resume, diz ao i, a fazer-se aquilo de que se gosta. Aberkane é orador motivacional, ensaísta, empreendedor e consultor internacional. Os seus discursos – mais de 400, entre os quais seis no TEDx – têm mais de 7 milhões de visualizações online.

Como veio parar ao primeiro congresso de ecobiologia?

O Miroslav [um dos organizadores do congresso] era professor de um dos meus professores. Escrevi um livro, “Libérez Votre Cerveau!”, que se tornou um bestseller e que criou um enorme entusiasmo e controvérsia ao mesmo tempo. Como não há má publicidade, isso fez de mim famoso. Aos 29 anos tinha três doutoramentos e, de alguma forma, isso tornou-me relevante de um ponto de vista de interdisciplinaridade e o Miroslav está muito interessado nisso. Quando me contactou [para estar aqui] fiquei bastante entusiasmado, até porque o meu sonho é criar algo como o que ele criou aqui no meu instituto em Neuchâtel, Suíça.

Que ligação existe entre neurociência e literatura comparada, duas das suas áreas de estudo?

Na verdade são bastante próximas. Há um autor americano ótimo chamado Johan Lehrer, que escreveu “Proust era um neurocientista”. Segundo ele, a forma como Proust descrevia as suas emoções é extremamente precisa do ponto de vista de um neurocientista. Vê a literatura como uma secreção do cérebro. 

Como assim? 

Há um método científico que consiste em perceber o cérebro a partir do que ele produz e a literatura é uma das suas produções. Ao mesmo tempo, eu queria estudar o “conectoma” da literatura. Em neurociência, o conectoma é o termo que descreve como é que os neurónios se conectam uns com os outros e o mapa de conexão do cérebro. Há, também, um mapa de conexão de influências literárias. Se entre os neurónios se consegue ver os seus axónios e dendrites, no caso da literatura consegue ver-se como é que um texto influenciou outros. E existem dois tipos de influência: a influência direta, do tipo ‘o autor leu aquele livro e gostou e influenciou o seu trabalho’ e a influência indireta, em que os autores tiveram os mesmos pensamentos, na mesma época. É interessante porque, quando se estuda o conectoma da literatura, a primeira conclusão a que se chega é que o choque de civilizações é uma treta e que a própria ideia de que existem diferentes civilizações que se opõem intrinsecamente é refutada. 

Pode dar um exemplo?

Edgar Allan Poe, um dos maiores poetas americanos, foi imensamente influenciado pelo Corão, por exemplo. Um dos seus poemas chama-se ‘Al Aaraaf’, que é o nome da sétima sura do Corão. E como essa há tantas outras influências…

É um defensor da economia do conhecimento. É o futuro? 

Para mim é o passado, até. Os seres humanos já trocavam conhecimento muito antes de trocarem azeite ou trigo. O conhecimento de como fazer fogo foi uma troca; as bagas, como escolher as que estavam comestíveis, quando estavam prontas para serem apanhadas; como caçar… tudo isso é conhecimento e tudo isso foi trocado entre seres humanos muito antes de trocarem bens materiais. Por isso, a economia do conhecimento não é a mais recente, é a mais antiga. Não há nenhum exemplo no mundo inteiro de alguma coisa que seja comprada com dinheiro sem que algum conhecimento esteja implicado. É como o ar que respiramos. Perguntar se a economia do conhecimento é o futuro é o mesmo que perguntar se o ar é o futuro – claro que é. 

O que diria às gerações mais novas para as inspirar a sair do sofá?

Para mim, trata-se realmente de se fazer o que se gosta. Alguém disse ‘sê tu mesmo, todos os outros papéis já estão ocupados’. Adoro o conceito japonês de Ikigai – ‘a razão de ser’ -, não tenho nenhum conceito melhor. Para os japoneses isso significa precisamente fazer-se o que se gosta, fazer-se aquilo em que se é bom, fazer-se aquilo pelo qual se pode ser pago e fazer-se aquilo de que o mundo precisa. Acredito verdadeiramente que as pessoas devem encontrar o Ikigai, porque atualmente temos uma contradição básica que está a matar as pessoas, é como se fosse um software que funciona no nosso subconsciente e que nos diz ‘ou produzes ou sentes-te realizado’.

Pensam que são coisas incompatíveis?

A maioria das pessoas acredita que se forem produtivas vão tornar-se deprimidas e que se se sentirem realizadas não vão ser produtivas. Esta oposição entre produtividade e realização está presente em muitas civilizações incluindo a nossa. Acredito verdadeiramente que qualquer realização é produtiva e qualquer produtividade não significa necessariamente realização. Tendo a realização como objetivo, alcança-se produtividade, contribui-se para o PIB.

E como define, então, a ecobiologia?

Se nos cingirmos à teoria, é o estudo da vida coletiva. A biologia é o estudo das células vivas, mas a verdade é que todos os tipos de vida que conhecemos existem em redes dependentes e quando começamos a perceber essas redes chamamos-lhe ecobiologia. De uma perspetiva etimológica, ‘eco’ significa ‘terra habitada’ – é daqui que vem a palavra ‘economia’, tal como a palavra ‘ecumenismo’. É muito interessante, até de um ponto de vista político, o facto de as Nações Unidas declararem o 16 de maio como o International Day of Living Together in Peace. De um ponto de vista político, a ONU definiu a ecobiologia! Vivermos juntos é ecobiologia, a questão é que vivermos juntos, para qualquer ser vivo, é fait accompli, mas, para nós, seres humanos, ainda não o é. Os seres humanos não interagem da mesma forma que a natureza, porque a natureza não teme o futuro e não se arrepende do passado. Mas a ecobiologia tem permitido a compreensão de muitas coisas. É fascinante porque muito do comportamento das células ou do ecossistema, por exemplo, não podia ter sido compreendido sem ser a partir das interações.

Que outros exemplos pode dar?

Quando os lobos foram introduzidos no Yellowstone, o parque nacional americano, o mapa dos rios mudou. Os lobos caçavam grandes herbívoros, que impediam as árvores pequenas de crescerem. A partir daí, as árvores começaram a crescer e, com essas árvores, os castores começaram a fazer as suas tocas e tudo isso desviou o fluxo dos rios uns 15 quilómetros. Isto é ecobiologia. É o tão falado efeito borboleta: uma mudança muito pequena pode ter consequências dramáticas. A ecobiologia ajuda-nos a compreender alguns fenómenos que não conseguíamos perceber no passado. As acácias, por exemplo, no sul do continente africano, produzem uma toxina que mata as gazelas em massa. Ninguém conseguia perceber porque é que elas morriam, era como se fosse magia. E depois essa magia tornou-se ciência, porque percebemos que essas árvores ‘falavam’ umas com as outras quando as gazelas comiam demasiadas das suas folhas ao enviarem uma hormona de stress – uma pequena molécula chamada etileno, mortal para as gazelas. É uma forma de se avisarem entre si de que as gazelas estavam por ali. Percebemos isto por causa da ecobiologia porque estudámos a ciência de como as gazelas e as acácias vivem juntas, a ligação entre elas. A ecobiologia é a ciência das ligações entre organismos.

Na sua palestra debruçou-se sobre como o lixo se vai tornar um dos principais desafios do nosso século…

Para mim, a abolição da escravatura foi a luta política do século XIX, a abolição do apartheid foi a luta política do século XX e a abolição do lixo vai ser a luta política do século XXI. Temos de descobrir uma forma de o tornar lucrativo. A abolição da escravatura foi a coisa certa a fazer, mas também foi muito rentável e as pessoas esquecem-se disso. Contribuiu para a industrialização do norte. Também assim foi com a abolição do apartheid. A África do Sul tornou-se numa super potência de África quando aboliu o apartheid. E também será assim com a abolição do lixo: precisamos de perceber que o lixo é um recurso escondido e precisamos de o ver como uma mina. Os aterros eletrónicos, onde ficam os nossos computadores, estão a ser olhados como minas, porque contêm mais ouro por metro cúbico do que as melhores minas do mundo. Esta é a nova mudança de paradigma. Os sul coreanos, por exemplo, estão a criar baterias com beatas – é espetacular. Estão a torna-se importadores de beatas. Isto é o futuro. Antes, enterrávamos o lixo na terra ou no oceano porque achávamos que eram infinitos. Mas agora, graças à globalização, sabemos que o oceano não é infinito, o que é excelente, mas a consequência é que não podemos deitar o lixo no oceano, por isso a única coisa que é infinita o suficiente para dissolver todo o nosso lixo é o conhecimento. E é por isso que a economia do conhecimento tem a resposta para a abolição do lixo.

Defende que há uma ligação entre o renascimento e a ecobiologia. Que ligação é essa?

O renascimento era um pensamento sistémico, interdisciplinar. O primeiro renascimento caracterizava-se por um elevado nível de interdisciplinaridade, um grande nível de troca entre académicos, comunicações, textos. E, na verdade, o fenómeno do primeiro renascimento era ecobiológico. Um ecobiologista está a estudar fenómenos comparáveis com o renascimento e o facto de esta disciplina ter começado a existir mostra que de facto estamos num período de uma interdisciplinaridade muito acentuada, de trocas muito frequentes através da Internet. É por isso que o fenómeno é muito comparável. Da Vinci disse que para observarmos a natureza, porque é aí que está o nosso futuro…