Em Liverpool ainda se fala no “Grande Roubo de San Siro”

Em 1965, na sua primeira aventura europeia, o Liverpool teve de defrontar o Inter nas meias-finais da Taça dos Campeões. Depois do 3-1 em Anfield, o sonho ruiu com o 0-3 de Milão. Um espanhol afidalgado no centro da confusão

Ontem, porque era dia de Real Madrid-Bayern de Munique, falei aqui do primeiro encontro entre os merengues e uma equipa alemã nas taças europeias, um jogo de truz, ainda por cima, logo na final da Taça dos Campeões de 1960, disputada no Hampden Park de Glasgow, com a vitória dos madrilenos por 7-3 sobre o Eintracht Frankfurt.

Hoje é altura de falar do primeiro embate do Liverpool frente a equipas italianas. Para isso vamos até 1964-65, precisamente a primeira presença da equipa de Anfield na Europa, na Taça dos Campeões, comprovando, ao atingir as meias-finais, que era clube talhado para a prova como, aliás, se comprova, desculpem-me lá a cacofonia. 

Se, na primeira eliminatória, os serviços foram mínimos (KR Reykjavik – 5-0 e 6-1), as duas seguintes obrigaram a um pouco mais de trabalho (Anderlecht, 3-0 e 1-0; FC Köln, 0-0 e 0-0 com 2-2 no desempate em Roterdão e apuramento por moeda ao ar). Seguia-se, então, o Inter de Milão, coisa bem mais de engulhos ao que parecia. E que deu brado em Inglaterra.

A primeira mão foi em Anfield, dia 4 de maio de 1965. Três dias antes, Bill Shankly levara o Liverpool à sua primeira vitória na Taça de Inglaterra. Tinha sido campeão no ano anterior, algo que não acontecia desde 1947. Os rapazes do Merseyside estavam prontos para tudo.

Logo aos quatro minutos, Roger Hunt fez o 1-0. Mais de 50 mil pessoas rejubilaram mas por pouco tempo. Mazzola empatou sete minutos mais tarde. 

Shankly acreditava piamente que a sua equipa se tornaria na primeira equipa britânica a vencer a Taça dos Campeões. Os seus homens seguiram-no numa fé que movia montanhas: os golos de Ian Callagham (34m) e Ian St. John (75m) permitiam uma viagem a Milão com certo optimismo. Tudo ruiria como um castelo de cartas em San Siro.

Um espanhol. “Foi tão óbvio como escandaloso”, diria St. John no final da segunda mão. “O árbitro não marcou um único livre ou canto a nosso favor”.

O árbitro era espanhol: Jose María Ortiz de Mendibil. Nome afidalgado e tudo.

E nas bancadas apertaram-se 80 mil pessoas. 12 de maio.

O primeiro golo italiano saiu dos pés de Mario Corso, logo aos 8 minutos. Reclamaram os ingleses que o livre, batido directamente, devia ser indirecto. Mendibil fez orelhas moucas. O público gritava impropérios, lançava bombas de fumo sobre o banco onde Shankly se mantinha impassível. 

No minuto seguinte, Joaquin Peiró empurrou Lawrence pelas costas na grande-área do Liverpool, roubou-lhe a bola e marcou o 2-0. Seguiu-se um golo anulado a St. John. Tommy Smith perdeu as estribeiras. Correu atrás do árbitro, tentou rasteirá-lo, agarrou-o por um ombro para que ele o encarasse. “De nada serviu. Nem sequer me olhou nos olhos. Foi como se nada tivesse acontecido. Querem atitude que confirme mais culpa do que esta?”, perguntaria Smith no final.

No entanto, a discussão, que durou anos, não deu resultados práticos. A imprensa inglesa debateu os lances e, apesar de considerar que houve erros, não conseguiu colocar-se por completo ao lado dos jogadores que reclamavam uma teoria de conspiração e corrupção. 

O grande Giacinto Fachetti faria o 3-0 na segunda parte. A equipa de Helenio Herrera jogava um futebol irritantemente defensivo, mas ganharia duas Taças dos Campeões consecutivas. Na final que se seguiu bateu o benfica (1-0) num jogo escandalosamente marcado para o campo de um dos finalistas.

Na época seguinte, a maldição italiana foi esquecida. Na primeira ronda da Taça dos Vencedores das Taças, o Liverpool eliminou a Juventus (1-0 e 0-2) e disparou para a vitória do troféu ao bater o Borussia de Dortmund no jogo derradeiro. Bill Shankly dera-lhe um toque de magia europeia que se manteve ao longo dos tempos. Até hoje. Aconteça o que acontecer no Olímpico de Roma.