«Ninguém nasce atormentado. A vida embaraça-se como fios de cabelo.»

Esta imagem e a frase que a acompanha são inquietantes e não é por acaso que se encontram nas paredes do Parque da Saúde, em Lisboa, onde se situa um hospital psiquiátrico

Diz a autora que assina esta composição, Leonor Brilha: «Ninguém nasce atormentado. A vida embaraça-se como fios de cabelo». E é bem verdade! Realmente, a vida vai-se embaraçando, vai formando nós (alguns dos quais são nós cegos), vai-se complicando, à medida que o tempo passa e que vamos tecendo fios que nos ligam aos outros, também eles enredados nas suas próprias vidas e nos seus problemas, nas suas alegrias e tristezas, naquilo que vai sendo a sua vida.

O desenho que acompanha esta observação é inclusivamente muito ilustrativo. Trata-se do corpo de uma mulher, visto de costas, com uma longa cabeleira encaracolada, que retrata simultaneamente um homem barbudo, amargurado, quase assustador, cujos cabelos lembram o mar revolto. Esta é uma imagem profundamente angustiadora, que pesa sobre quem por ali passa.

O que se passa dentro de nós é, efetivamente, mais complicado do que, à partida, parece ser. Até porque, como diz Patrícia Portela, em entrevista ao Jornal de Letras: sentimos «necessidade de estarmos a altura do que nos acontece, do que temos e do que ainda não temos. Às vezes, vivemos como se não tivesse importância. Mas a verdade é que compramos pão à procura do princípio do universo. Procuramos o amor como se esperássemos o príncipe encantado. (…) Apequenamos o mundo. A condição humana é muito grande».

E é verdade que um dos nossos grandes problemas é esta dicotomia entre o que fazemos rotineiramente (entre comprarmos pão, pensarmos no jantar ou desempenharmos as tarefas profissionais) e aquilo que julgamos superior a nós, como procurarmos o princípio do universo, salvarmos o planeta, encontrarmos a felicidade. Esta nossa tentativa de conjugar o dia a dia com a necessidade de fazermos algo mais, de contribuirmos para uma realidade maior e superior a cada um de nós é, muitas vezes, o que nos leva ao início da insatisfação, da frustração com a vida, porque, como diz o poeta João Moita: “Inata só a altura do ninho / e a vertigem do solo. / O resto é conquista das asas”. Daí até os fios da vida se embaraçarem como fios de cabelos é um pequeno passo.

Sentimos que estamos destinados a uma vida grandiosa, que, na maior parte das vezes, acaba por não se concretizar, e esse desfasamento entre o que gostaríamos, o que sonhamos e a realidade concreta é o ponto de propulsão para começarmos a ver-nos de outra forma, mais conforme a realidade, mais presos aos pormenores do quotidiano. Acabamos, assim, por nos «apequenarmos» e «apequenarmos», por contaminação, o mundo à nossa volta ou, então, ao nos «apequenarmos», acabamos por «agigantar» os outros e o mundo, tornando o fosso entre realidade e fantasia cada vez maior.

Como diz Patrícia Portela: «Transformaram-nos a todos em sobreviventes, mas somos muito mais». E só conseguiremos escapar se não seguirmos o rebanho, agindo com engenho…   

 

Maria Eugénia Leitão

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services