A linguagem das plantas. “Estamos a ver a ponta do icebergue”

Investigação liderada por cientista português é capa da revista “Science”. José Feijó fala ao i da descoberta

As funções parecem ser bastante distintas, mas há algo de estranhamente comum – pelo menos por agora – entre os neurónios e as células das plantas. Uma equipa de cientistas liderada por José Feijó, antigo investigador do Instituto Gulbenkian da Ciência atualmente na Universidade de Maryland, nos EUA, faz esta semana a capa da revista “Science” com a proposta de um novo modelo de comunicação para as plantas. Na sua base estão então mecanismos idênticos a recetores de glutamato, que nos animais ajudam a transmitir os sinais nervosos de um neurónio para o outro. Quando não funcionam bem, podem surgir problemas cognitivos. Nas plantas, parecem ser fundamentais ao nível da reprodução, crescimento e defesa contra pragas.

O trabalho juntou investigadores da Universidade de Maryland e do IGC e imagem na capa da “Science” de uma flor da planta Arabidopsis, com os grãos de pólen a azul foi feita ainda em Oeiras, contou ao i José Feijó, na altura por um doutorando da equipa, Pedro Lima.

O investigador ajuda a perceber um pouco melhor o que está em causa. Nos animais, esta substância de nome complicado glutamato é libertada por um neurónio e liga-se aos recetores, como que antenas, do neurónio seguinte, que abrem os seus canais para entrar iões, nomeadamente de cálcio, que vão ativar os impulsos elétricos necessários para o cérebro funcionar normalmente. Agora, a equipa descobriu que no caso das plantas, estes recetores são essenciais na comunicação que ocorre dentro de cada célula.

Havendo esta semelhança, podemos falar de uma forma de inteligência vegetal? “A palavra inteligência é complicada de definir e hesito em usá-la em plantas porque não há um órgão ou órgãos centralizados como é o caso do sistema nervoso dos animais, que concentra a capacidade de analisar os estímulos ambientais e tomar decisões em função disso”, explica o investigador. Ainda assim, continua, “há evidência cabal que todas as células vegetais têm capacidade, de forma autónoma, de receber estímulos externos, comunicarem internamente essa informação e tomar decisões sob a melhor forma de responder ao estímulo, seja ele ambiental, de desenvolvimento ou de resposta imunológica”. Prova disso, exemplifica, são certas plantas carnívoras, que conseguem contar o número de impulsos mecânicos nos órgãos carnívoros, para decidir se se trata de uma gota de chuva ou um grão de areia (não fecham) se é um inseto (fecham) e se o inseto é grande ou pequeno (segregam mais ou menos enzimas digestivos).

No caso da descoberta que fizeram, sai sobretudo reforçada a ideia de que as células das plantas têm um sistema de comunicação complexo e que lhes dá uma grande autonomia, maior até que a das células animais. “Basta pensar que uma planta não pode correr para fugir a um predador ou escapar a um fenómeno meteorológico, por isso cada uma das suas células tem que estar preparada para responder e sobreviver”, diz Feijó.

Acreditam que o trabalho pode ajudar a perceber melhor as respostas imunitárias das plantas e contribuir para estratégias de defesa de pragas ou, ao nível da reprodução, melhor produção de sementes. Outro aspeto relevante é, percebendo como coordenam as respostas a stress ambiental, obter melhores estratégias de adaptação às alterações climáticas.

A equipa está também interessada em perceber exatamente o que separa um recetor de glutamato do sistema nervoso dos que existem nos grãos de pólen e como evoluíram para terem funções tão diferentes, explica José Feijó. E nesse aspeto há pano para mangas: “A maioria das plantas têm mais recetores de glutamato diferentes do que os humanos têm em todo o sistema nervoso, que novas funções evoluíram com esta diversificação?”, questiona o biólogo.

E voltando à inteligência, será que daqui a muitos milhões de anos, poderá evoluir nas plantas uma forma diferente? Feijó é perentório: não parece nada realista. “A inteligência não deriva do número ou evolução de recetores de glutamato mas de evolução de sistemas celulares e redes de comunicação complexas que eles facilitam”.

No horizonte, parece mais verosímil imaginar plantas adaptadas temperaturas e níveis de CO2 mais elevados, explica o investigador. Outras desaparecerão, por não se conseguirem adaptar. Talvez compreender melhor este sistema de comunicação ajude a fazer a diferença. “Estamos a esgravatar na ponta do iceberg, há muito para descobrir”, conclui o biólogo.