Socialistas contra mudança de estratégia

Vários socialistas questionam a nova posição da direcção do PS em relação ao caso Sócrates.  António Campos, Manuel Alegre e José Junqueiro condenam condenações na praça pública. 

A mudança de estratégia do PS em relação ao caso Sócrates não agradou a alguns socialistas. António Campos, Manuel Alegre e José Junqueiro, entre outros, insurgiram-se contra a direção do partido por ter condenado publicamente a atuação de José Sócrates. 

A suspeita de que o ex-ministro Manuel Pinho recebeu dinheiro do Grupo Espírito Santo quando era ministro relançou a polémica à volta de Sócrates. Desta vez, a direção do PS não se limitou a declarar que não se intromete em questões judiciais e assumiu que o partido se sente envergonhado com estes casos. Uma nova posição que não está isenta de críticas dentro do PS. O histórico socialista Manuel Alegre foi um dos primeiros a manifestar-se «perplexo». Alegre alertou, em declarações ao Público, antes de ser conhecida a decisão de José Sócrates de abandonar o partido, que o PS abriu a «caixa de Pandora» ao trazer agora o nome de José Sócrates de uma forma avulsa para o debate político. «Não confundo suspeitos e condenados» acrescentou. 

A decisão de Sócrates de se desfiliar do PS levou outros socialistas a criticar a direção do partido. António Campos, assim que foi conhecida a reação de Sócrates às críticas feitas por Carlos César e outros dirigentes de primeira linha, disse à TSF que «o Partido Socialista traiu a sua própria origem». Ao SOL, o fundador do PS classifica a atitude da direção do partido como lamentável. «Ao embarcar no julgamento popular feriu de morte a própria história do PS», diz.

José Junqueiro, ex-dirigente socialista, também aponta o dedo à direção do PS por ter deixado cair o princípio da presunção da inocência. «Aquilo que me surpreende é que a direção do PS tenha ferido este princípio doutrinário e constitucional da presunção da inocência. Surpreende-me que se tenha antecipado aos tribunais e tenha feito uma declaração de culpa do secretário-geral do PS na praça pública», afirma ao SOL o ex-dirigente socialista. 

Sócrates contou ainda com a solidariedade de dois deputados, no dia em que  deixou o partido a que pertencia há quase 40 anos. Renato Sampaio, que também lidera a concelhia do Porto, escreveu, na sua página do facebook, que «hoje é um dia muito triste». Aos socialistas, o deputado pediu «rigorosa contenção verbal», porque «estamos em vésperas de um importante congresso». Isabel Santos também usou as redes sociais para alertar que «não se apagam incêndios com gasolina». A socialista criticou que se façam «linchamentos em praça pública», no entanto evitou mais comentários porque «o PS necessita de serenidade para enfrentar o congresso que se avizinha». 

 

Congresso virado para o futuro, mas com o fantasma do passado a pairar 

O congresso é já daqui a três semanas, na Batalha, e é quase inevitável que o assunto Sócrates entre na discussão. Alegre até é contra que seja o local próprio para discutir estes casos, mas «agora vão ter mesmo de ter o tema José Sócrates no congresso». Daniel Adrião, que volta a ser o  único candidato a secretário-geral contra António Costa,  concorda que «é inevitável que o congresso tenha de discutir isto», porque «este assunto foi colocado na agenda política pela atual direção do partido». 

O socialista também condena  «esta alteração de estratégia do Partido Socialista» em relação ao caso Sócrates. «O PS não se pode substituir às instâncias judiciais. Não pode condenar ninguém por antecipação. Nós já sabemos que a justiça funciona mal e esta posição de alguns dirigentes do partido só veio contribuir ainda mais para transformar este processo num reality show».

O desafio para que o PS aproveite este congresso para discutir casos como o de Sócrates e Manuel Pinho foi lançado pela eurodeputada Ana Gomes assim que se tornou público que o ex-ministro da Economia é suspeito de ter recebido dinheiro do Grupo Espírito Santos durante o período em que exerceu funções. A direção do PS está, porém, empenhada em que a reunião magna seja mais virada para o futuro. O presidente do PS, Carlos César, defendeu que «a melhor forma de o congresso do PS contribuir para a transparência do projeto do PS é falar do futuro e não falar do passado». 

Não seria a primeira vez que José Sócrates estragava um congresso a António Costa. Quando o agora primeiro-ministro chegou à liderança do PS, em 2014, Sócrates tinha acabado de ser detido e o caso dominava todas as atenções mediáticas. Costa apressou-se a pedir aos militantes, através de um SMS, para não misturarem os «sentimentos  de solidariedade e amizade» para com o ex-primeiro-ministro com  «a ação política do PS», Nesse congresso, em Lisboa, António Costa não ignorou o assunto e logo no discurso de abertura elogiou os militantes pela «forma exemplar como têm sabido enfrentar uma prova para a qual nunca ninguém está preparado».

PS muda de estratégia ao fim de cinco anos 

Desde que o ex-líder socialista foi detido, Costa insistiu sempre na tese de que é preciso separar a política da justiça. «Como tenho dito, à justiça o que é da justiça e à política o que é da política», reafirmou, em outubro de 2017, quando foi conhecida a acusação. «E eu continuarei sem comentar, como é próprio de um primeiro-ministro, que não deve comentar o que vai acontecendo nos diferentes domínios judiciais».

Três anos antes, à saída da única visita que fez a Sócrates na prisão de Évora, tinha defendido que é preciso «assegurar a presunção de inocência». O líder socialista garante que não mudou o discurso, mas a verdade é que nunca tinha ido tão longe como esta semana ao afirmar que, «se essas ilegalidades vierem a confirmar-se, será certamente uma desonra para a nossa democracia». 

José Sócrates foi detido na noite de 22 de novembro de 2014 e contou com a solidariedade de alguns socialistas. Muitos foram os que o visitaram na prisão. Pedro Silva Pereira, numa dessas visitas, garantiu que acreditava na sua «inocência». 

Com o tempo, o ex-primeiro-ministro foi ficando cada vez mais isolado. Longe vão os tempos em que conseguia juntar na mesma sala militantes de luxo como António Vitorino, Maria de Belém ou Capoulas Santos para assistirem ao lançamento de um livro sobre o ‘carisma’. Foi em outubro de 2016 e Sócrates não deixou de garantir que a presença dos socialistas tinha «um significado político». Nos últimos tempos, não tem praticamente participado em eventos públicos. Continua, porém, a motivar divisões entre os socialistas.