O feminismo radical na origem do Dia da Mãe moderno

Sabia que, há uns anos, o Dia da Mãe era celebrado a 8 de dezembro?

Todos os anos comemora-se o dia da Mãe. Levamo-las a almoçar ou jantar fora, oferecemos prendas, flores e dizemos-lhes o quão importantes são nas nossas vidas. Mas qual é a origem deste dia? Onde e quando é que esta tradição começou? Ao contrário do que se possa pensar, o movimento pela criação desde dia partiu do movimento feminista norte-americano no século XIX.

Em Portugal, o Dia da Mãe foi, durante décadas, comemorado a 8 de dezembro, dia da Imaculada Conceição, a conceção de Jesus Cristo através da Virgem Maria. Hoje, é celebrado a 6 de maio, mas o significado manteve-se. Maio é ainda considerado o mês de Maria, mãe de Jesus Cristo.

A origem

A tradição remonta a milhares de anos atrás, na Grécia Antiga, quando os gregos celebravam a entrada na primavera com oferendas e festas à Mãe dos Deuses, Rhea. Em Roma, o dia da mãe era marcado por festas à deusa Cybele, mãe dos deus romanos. Com a queda da civilização grega, a tradição perdeu-se, mas séculos depois renasceu, ainda que em moldes e motivações completamente distintas, na Inglaterra do século XVII. Celebrava-se então no quarto domingo de Quaresma, no dia de "Domingo da Mãe", homenageando todas as mães inglesas.

Apesar de um dia que se estende sob formas distintas pelos séculos, o moderno Dia da Mãe remonta às ações de feministas norte-americanas no final do século XIX. Vivia-se então a ascensão do movimento feminista, que exigia o direito ao voto para todas as mulheres e melhores condições de trabalho. Nas principais cidades norte-americanas. várias mulheres organizaram então clubes de mães para, em conjunto, fornecerem cuidados de saúde entre si e aos seus filhos, bem como melhores condições de saneamento. As campanhas de consciencialização tornaram-se parte do dia-a-dia de milhares de mulheres, entre as quais Julia Ward Howe (1819-1910), escritora, sufragista e pacifista.

A primeira sugestão de se instaurar um dia da mãe nos tempos modernos partiu precisamente de Howe, em 1872, encarando-o como um dia dedicado ao amor, mas também à paz. Inclusive, chegou até a escrever uma "Proclamação do Dia da Mãe". Neste pequeno texto político, a autora declarou: "Levantem-se, então, mulheres deste dia! Que se levantem todas as mulheres que têm coração, independente do nosso batismo seja de água ou de medos!". E, curiosamente, nesse mesmo texto defendeu a emancipação das mulheres pelas próprias mulheres, afirmando que "não teremos as grandes questões decididas por outros".

Curiosamente, e apesar de na altura os Estados Unidos viverem uma política isolacionista relativamente aos assuntos europeus, Howe escreveu a proclamação com a Guerra da Secessão (1861-1865) e a Guerra Franco-Prussiana (1970-1971) como pano de fundo, defendendo o desarmamento das potências mundiais e o fim dos conflitos militares. "Desarmar! Desarmar! A espada do assassinato não é o equilíbrio da justiça", pode ler-se na proclamação. Ao contrário dos homens, as mulheres sentiram-se atraídas pelas suas ideias, fosse pelas condições de vida que tinham e criavam os seus filhos, fosse por terem visto maridos e filhos partirem para uma guerra para morrerem por razões e interesses que os ultrapassavam. Sempre na esperança de que os seus filhos e maridos pudessem um dia regressar, porventura inteiros. Contudo, muitos não regressaram. "Porque é que as mães da Humanidade não interferem nessas assuntos para evitar o desperdício da vida humana da qual só elas suportam e sabem o custo?", referindo-se à necessidade de uma maior participação públicas das mulheres por serem relegadas para o desempenho de funções educativas e de trabalho doméstico.

Apesar do protagonismo de Howe e das suas ideias terem sido ouvidas por milhares de mulheres, as suas palavras foram-se perdendo com o tempo e a criação de um dia da mãe foi perdendo força, até que Anna Jarvis e a sua mãe, Ann Jarvis, provenientes de Filadélfia, EUA, ressuscitaram-na no início do século XX. Nos anos da Guerra da Secessão, a mãe de Anna Jarvis dedicou-se à fundação de clubes de mães para que juntas, sob um espírito de amizade e boa-vontade, pudessem ajudar no tratamento de soldados feridos no campo de batalha. Um dos compromissos desses clubes era o de que as mães não deixariam os conflitos entre a União e a Confederação dividi-las, independentemente do lado que cada uma tomasse.

Depois da guerra, Ann Jarvis dedicou-se a servir como mediadora entre famílias que se tinham dividido por causa do conflito que opôs o norte ao sul do país, culminando na criação de um "Dia da Amizade Maternal", em 1868. Nas décadas seguintes, consagrou a sua vida a dar aulas, até falecer em 1905. Anos depois da morte da sua mãe, Anna Jarvis relembrou ter ouvido a sua mãe falar num evento da escola sobre a necessidade de um dia da mãe: "Espero e rezo para que alguém, em algum momento, funde um dia para as mães, comemorando os seus incansáveis serviços à Humanidade em todos os campos da vida. As mães têm direito a isso".

Não desistiu

Com a morte da mãe, Anna Jarvis entrou numa profunda depressão e para sair da mesma prometeu continuar o sonho da sua mãe: criar um dia da mãe. Em 1908, Anna conseguiu persuadir a igreja de Grafton, em West Virginia, a celebrar pela primeira vez o dia. Seguiram-se outras igrejas e, anos mais tarde, a maioria dos Estados norte-americanos já o celebravam.

Não satisfeita com a proeza, avançou com a redação de uma petição e coleta de assinaturas. Ao mesmo tempo, escreveu inúmeras cartas a presidentes norte-americanos, entre os quais William Taft e Theodore Roosevelt, a pedir aos chefes de Estado que instaurassem esse dia. Por fim, em 1914, o presidente Woodrow Wilson aquiesceu ao pedido e anunciou que o Dia da Mãe seria celebrado todos os anos no segundo domingo de maio. Seria feriado nacional.

Alcançado o objetivo no seu país, Anna não baixou os braços e criou a Associação Internacional do Dia da Mãe para persuadir outros Estados a caminharem na mesma direção. Hoje, a grande maioria dos países do mundo celebram este dia, seja formal ou informalmente.

Apesar das suas inúmeras vitórias, a história de Anna não teve um final feliz. Com as celebrações do Dia da Mãe nos Estados Unidos, vieram também as iniciativas para lucrar com o mesmo, à semelhança do Dia dos Namorados ou do Natal, por exemplo. O símbolo do dia da Mãe, os cravos, passou a ser vendido em eventos e desfiles, transformando esse dia num enorme negócio. "Não era isto que pretendia. Queria um dia de sentimento, não de lucro", disse Anna em tempos.

Hoje, é Dia da Mãe e recordar a História da conquista deste dia é também homenagear todas as mães. As que vieram e as que partiram, as que ainda se encontram e as que virão. É também um dia de luta das mulheres pelo reconhecimento que merecem pelos distintos papéis e sacrifícios que desempenham na nossa vida coletiva.