Política de habitação mesmo pública

Lisboa vive, desde há alguns anos, uma situação insustentável no acesso à habitação por parte da classe média.

Proclamar políticas públicas de habitação não é difícil. Mais difícil é ser consistente com esse compromisso. Políticas públicas concretizam-se com recursos públicos e implicam fazer escolhas nas prioridades de investimento do Estado.
A questão da habitação está (e bem) na ordem do dia. Importa que não se pretendam resolver todos os problemas no curto prazo. Tal pretensão ou é ingénua ou é demagógica. Não é possível resolver todos os problemas relacionados com a habitação de um momento para o outro quando o Estado, durante décadas, Governo após Governo (de vários partidos) não elegeu a habitação no âmbito das prioridades de políticas públicas.

Desde o início do século XX até à atualidade o Estado desenvolveu programas de habitação com forte investimento público apenas nos anos 30 e 40 com a construção dos chamados bairros de casas e rendas económicas destinadas à classe média, nos anos 60 com uma nova vaga de investimento público em habitação e no início dos anos 90 com o programa de erradicação de barracas.

Lisboa vive, desde há alguns anos, uma situação insustentável no acesso à habitação por parte da classe média. Os bairros municipais construídos ao abrigo do programa de erradicação de barracas dos anos 90 resolveram parte substancial do acesso a habitação para as classes economicamente mais frágeis e o mercado de habitação do presente está apenas acessível para as classes mais favorecidas.

Lisboa é uma cidade só para pobres ou muito ricos. O atual cenário no acesso à habitação em Lisboa, mas também no Porto, torna urgente a intervenção do Estado com um programa de habitação que torne possível à classe média voltar a viver nestas cidades.

Em Portugal verifica-se um cenário desequilibrado em matéria de habitação se comparado com o que se verifica na Europa. Portugal é um dos países da União Europeia com menor percentagem do PIB afeta a despesa pública com habitação; a percentagem de alojamento público é das mais baixas; a taxa de habitação própria em Portugal é das mais elevadas; a taxa de investimento em reabilitação urbana, comparado com o investimento em novas construções, é muito inferior à média europeia.

Uma política pública de habitação implica um forte investimento público. Uma política pública de habitação com justiça social deve traduzir-se no apoio aos mais frágeis e desfavorecidos da sociedade, na criação de condições de acesso à habitação em função das necessidades e, ao mesmo tempo, promovendo e respeitando a iniciativa e a propriedade privada.

O investimento público deve ser aplicado na criação de bolsas de habitação para arrendamento a custos controlados, de iniciativa municipal, que proporcionem o acesso à habitação às classes médias no centro das cidades e que regulem o mercado de habitação. Por outro lado, os incentivos públicos de âmbito fiscal e de financiamento devem dirigir-se, no primeiro caso à promoção de arrendamento de longa duração e, no segundo caso, ao apoio à reabilitação por parte dos pequenos proprietários, também para o arrendamento de longa duração.

O apoio social é uma obrigação do Estado e deve ser suportado por este, seja no acesso à habitação, seja na proteção aos mais frágeis. Um Estado responsável deve assumir os encargos decorrentes dessa proteção abstendo-se de utilizar os bens ou rendimentos privados para uma obrigação que é do Estado.

Uma política pública de habitação eficaz impõe estabilidade e uma perspetiva de longo prazo só possível com um compromisso político alargado. A habitação é um direito e a sua garantia deve ser um desígnio nacional, evitando extremismos, preconceitos ideológicos ou demagogia.