ETA acabou, mas não o problema basco

Negociadores internacionais dizem que o processo de pacificação no País Basco não ficará concluído enquanto não se resolverem as reivindicações das vítimas e a situação dos presos.

ETA acabou, mas não o problema basco

Dois dias depois da carta da ETA aos partidos políticos e às organizações sociais e empresariais bascas, um dia depois da mensagem áudio do dirigente máximo da organização armada basca, Josu Urrutikoetxea, a assinalar à dissolução definitiva da ETA, realizava-se na localidade de Cambo em Iparralde (País Basco francês), uma conferência internacional em que estiveram presentes, entre outros, o ex-líder do Sinn Féin Gerry Adams, o ex-chefe de gabinete de Tony Blair Jonathan Powell, o ex-primeiro-ministro da Irlanda Bertie Ahern, o ex-candidato presidencial do México Cuauhtémoc Cárdenas e o ex-líder da Interpol Raymond Kendall, vários elementos da comissão internacional que negociou o desarmamento da organização basca e a sua dissolução. Estiveram também presentes os líderes do PNV (Partido Nacionalista Basco), do Bildu e do Podemos basco, que representam cerca de 75% dos eleitores da Comunidade Autónoma Basca. O Partido Popular e os socialistas recusaram o convite.

Depois de dedicarem um minuto de silêncio às vítimas da ETA e do Estado espanhol, os intervenientes sublinharam que resta ainda um longo trabalho a fazer para a pacificação da sociedade basca. Nessas questões avulta a questão dos presos bascos em prisões espanholas e francesas e dos bascos fugidos, por pertencerem à organização armada. «Todos os bascos, por diferentes razões, estão a celebrar hoje o anúncio da sua dissolução feito ontem [quinta-feira] pela ETA», disse o advogado sul-africano Brian Currin, depois da homenagem às vítimas. Currin sublinhou que o processo de paz não terminou, ainda falta a reconciliação, dar o devido valor às vítimas do conflito e ver o futuro dos presos da ETA. O advogado espera que partidos e grupos sociais se entreajudem «para conseguir soluções para as consequências da violência», aludindo às exigências das vítimas e à situação dos 285 presos da ETA colocados em cadeias longe do País Basco.

Uma situação que não será fácil de resolver. O governo de Madrid, pela voz de Mariano Rajoy, sublinhou que não haverá «perdão», nem «impunidade» para os presos da ETA. E que a organização basca foi «derrotada pela democracia espanhola» – para o líder do PP, é essa a única razão da sua dissolução. «Desaparece ETA, mas não a dor que semeou, nem a dívida de gratidão que temos com as vítimas», acrescentou o presidente do governo, sublinhando que a «ETA não conseguiu nenhum dos seus objetivos políticos. Nenhum». O mesmo tom foi adotado pela quase totalidade da comunicação social espanhola, que considerou a conferência internacional realizada na sexta-feira como uma «encenação do grupo terrorista».

Durante cerca de meio século, a ETA matou 829 pessoas, 486 militares e polícias (58,62%) e 343 civis (41,38%), grande parte delas depois da transição do fascismo para a democracia. A estas vítimas tem que se somar as dezenas de etarras mortos pelas forças de segurança e por esquadrões da morte, com mercenários de extrema-direita, organizados a partir dos governos da UCD e do PSOE, e a utilização da tortura e das prisões como forma normal de combate ao terrorismo. Há poucos meses saiu um relatório oficial do governo basco, ‘Projeto de Investigação da Tortura e Maus Tratos no País Basco, entre 1960-2014’, que apontava para 4000 casos de tortura provados, por parte das forças policiais, grande parte deles já no período da democracia. Neste momento, ainda estão presas cerca de 300 pessoas, nas cadeias de Espanha e França, acusadas de pertencer à ETA.

Desde os anos 80, sucederam-se várias tentativas de negociação entre o governo espanhol e a direção da ETA para buscar o fim dos atentados e uma resolução política para o conflito. Estas negociações feitas durante os governos de Felipe Gonzáles, José María Aznar e Rodríguez Zapatero nunca resultaram. De um lado e do outro, os extremistas sempre conseguiram parar as conversas, como aconteceu quando o governo espanhol mandou prender o líder da esquerda abertzale (patriota basco) Arnaldo Otegi, que era o principal defensor do fim da ETA, na esquerda basca.
A atual postura, de recusa de qualquer diálogo, do governo espanhol pode dar alento a setores dissidentes da ETA, como o que há um ano protagonizou um roubo de armas no arsenal da organização armada.

A última batalha interna para que a ETA deixasse de matar data do outono de 2009. O setor da chamada esquerda abertzale favorável a manter uma organização armada no comando da galáxia das organizações políticas e sociais do chamado Movimento de Libertação Nacional Basco foi derrotado pelos apoiantes de Arnaldo Otegi, que defendiam o abandono das armas. 

Com o tempo, alguns descontentes começaram a aglutinar-se em iniciativas e organizações de defesa dos presos bascos e exigindo a sua libertação, formaram a IBIL e posteriormente a ATA, defendendo uma solução para os presos que não passasse por aceitar a legalidade penitenciária existente e a reinserção dos presos bascos. Apesar desta reorganização dos setores favoráveis à manutenção de uma organização armada, os serviços de informação não consideram que eles tenham capacidade para protagonizar atentados e reacender a espiral de violência.

Apesar disso, há cerca de um ano produziu-se um episódio que fez soar os alarmes na direção da ETA. Durante o processo de entrega de armas da ETA, um arsenal de armas da organização armada que ia ser revelado aos negociadores numa determinada data foi encontrado esvaziado dias antes da entrega.

Na direção da ETA inquiriu-se quem seria responsável pelo roubo. Segundo explicaram fontes dos serviços secretos ao eldiario.es, a direção da ETA resolveu enviar uma mensagem ao principal suspeito: o líder de ATA no País Basco espanhol, Jon Iurrebaso, 63 anos, que tinha acompanhado o líder Josu Urrutikoetxea às reuniões das negociação falhadas em 2006.

ETA: 60 anos de história e meio século de mortos  

A ETA foi formada em dezembro de 1958, nas igrejas, a partir dos grupos de estudo da juventude do Partido Nacionalista Basco (PNV), Ekin. Esta ação assinalava a desilusão dos setores juvenis  com a estratégia do PNV, que depois de apoiar os aliados e os EUA na Segunda Guerra Mundial, esperava que os aliados derrubassem a ditadura de Franco e permitissem a independência do País Basco. O eclodir da Guerra Fria fez com que os aliados passagem a transigir com as ditaduras peninsulares, acabando com as ilusões da direção do PNV.

Durante cerca de dez anos a ETA não empreendeu nenhuma ação armada que não fosse simbólica. As primeiras vítimas datam de 7 de junho de 1968, dia em que é morto o polícia José Pardines Arcay e abatido o dirigente etarra Txabi Etxebarrieta. Durante os cerca de 50 anos de conflito armado são mortas 829 pessoas pela organização armada basca, que por sua vez sofre mais de 160 mortos.

O ano de 1973 estava quase no fim quando aconteceu o assassinato mais significativo executado pela ETA durante a ditadura de Franco. Foi a denominada Operação Ogro. Uma bomba em Madrid matou o almirante Luis Carrero Blanco, o fundador dos serviços secretos franquistas, presidente do governo e o homem que Franco escolheu como seu sucessor após a sua morte. Em 20 de Dezembro de 1973, uma quinta-feira, à passagem do carro de Carrero Blanco, à saída da missa diária, os etarras acionaram a carga, que projetou o automóvel até ao terraço do edifício dos jesuítas, a uma altura correspondente à de um quinto piso. Morreu aí Carrero Blanco e nascia, no seio dos oposicionistas do franquismo, um slogan que se tornou popular naquele tempo: «Arriba Franco, más alto que Carrero Blanco». 

O processo de transição democrática não contemplou a possibilidade da independência do País Basco e a ETA continuou a matar. 

No dia 3 de maio de 2018, depois de vários cessar fogos e de entregar as armas, acabou.