Sócrates. Da inocência à vergonha vão três anos e meio

A estratégia do PS mudou em relação ao caso Sócrates. Longe vão os tempos em que havia socialistas que acreditavam na sua inocência

José Sócrates esteve preso preventivamente durante 288 dias. À porta do Estabelecimento Prisional de Évora, principalmente nos primeiros tempos, os jornalistas tinham uma pergunta preferida para os socialistas que o visitavam: “acredita na inocência de José Sócrates?”

Os tempos eram outros e José Sócrates ainda contava com a solidariedade de figuras com peso no partido. Edite Estrela, após uma visita na prisão acompanhada pelo ex-ministro Mário Lino, não hesitou na resposta: “acredito na inocência do senhor engenheiro José Sócrates. Claro que sim”. Não foi a única. Capoulas Santos, ministro da Agricultura de António Costa, foi o primeiro socialista a deslocar-se à cadeia. Tinha sido diretor de campanha de Sócrates uns anos antes e declarou que “obviamente” acreditava na inocência do ex-secretário-geral do PS. Pedro Silva Pereira, um dos ministros mais próximos, também não teve dúvidas de que o seu amigo era inocente.

Os meses a seguir à sua detenção, na noite de 22 de novembro de 2014, foram agitados à porta da prisão de Évora. Não havia dia em que as televisões não fizessem diretos com as visitas ao ex-primeiro-ministro. Mesmo que nada dissessem.

A verdade é que muitos socialistas, apesar de António Costa se ter distanciado desde o início, ainda tinham nesta altura uma palavra de conforto para o único líder que conseguiu conquistar uma maioria absoluta para o PS. Fernando Medina, que pertenceu aos dois governos de José Sócrates, numa entrevista à Antena 1, no início de 2015, descreveu-o como “um político de grande convicção, qualidade, um amigo que passa um momento difícil”. Uns meses mais tarde, o agora presidente da Câmara de Lisboa garantia, numa entrevista ao “Público”, que nunca se apercebeu de nada de estranho quando fazia parte do governo. “O meu testemunho em relação ao ex-primeiro-ministro José Sócrates é de uma relação absolutamente impecável na defesa do interesse público, em todas as áreas em que trabalhei com ele”.

Desde o dia em que Sócrates foi preso preventivamente passaram três anos e meio e a solidariedade dos socialistas sumiu-se. Pedro Silva Pereira, por exemplo, admitiu, no seu último comentário na TVI, que “as acusações são graves e se forem provadas isso é muito grave. Se não forem provadas e se demonstrar que um ex-primeiro-ministro esteve preso injustamente é igualmente grave”.

Mais longe foi João Galamba, que entrou na política pela mão de José Sócrates. “Já há hoje dados suficientes para que isto envergonhe o Partido Socialista. O facto de viver com dinheiro de um amigo não abona a favor dele. Tudo isso é inaceitável”, disse o dirigente socialista, no programa “Sem Moderação”, na TSF e no Canal Q, há menos de uma semana. Galamba nunca escondeu que era amigo de Sócrates e demorou muito tempo a condenar a sua atuação. Numa entrevista ao i, em setembro de 2016, o deputado do PS preferiu criticar a justiça por não ter “funcionado da melhor maneira”. Sobre os empréstimos do amigo Carlos Santos Silva nem uma palavra. “Preferia guardar para a minha privacidade”, justificou.

PS “Revoltado”

Fernando Medina, no seu programa de comentário, na TVI, ignorou a acusação a José Sócrates, mas foi implacável com o ex-ministro da Economia Manuel Pinho. “A suspeita de que alguém no governo, com responsabilidades de ministro, foi pago por uma empresa privada é insustentável. É insustentável que ainda não tenha sido esclarecido e ainda é mais insustentável que se venha a provar que tenha acontecido”, disse.

Medina deu o pontapé de saída para um conjunto de declarações que não deixaram dúvidas de que o PS decidiu mudar de estratégia. Carlos César, presidente do partido, garantiu que o PS se sente “revoltado e “incomodado” com estes casos. António Costa assumiu que “se essas ilegalidades se vierem a confirmar, serão certamente uma desonra para a nossa democracia”. A reação de Sócrates foi imediata e abandonou o partido que o escolheu para líder durante seis anos com votações superiores a 95%.