Lâmpadas de leitura – uma batalha perdida

Da mesma forma que os escritores querem ter sempre à mão com que escrever ou tomar apontamentos, e vão por isso acumulando obsessivamente lápis, canetas, blocos e cadernos, também os leitores mais devotos, sobretudo os noctívagos, zelam para assegurar as condições necessárias à prática da sua atividade favorita. A leitura, além da página impressa, requer…

Da mesma forma que os escritores querem ter sempre à mão com que escrever ou tomar apontamentos, e vão por isso acumulando obsessivamente lápis, canetas, blocos e cadernos, também os leitores mais devotos, sobretudo os noctívagos, zelam para assegurar as condições necessárias à prática da sua atividade favorita. A leitura, além da página impressa, requer outro elemento essencial: a luz.

Ao longo da vida, tenho colecionado sucessivas lâmpadas de leitura. A primeira foi adquirida na livraria Edison, em Florença, onde fui por recomendação de um amigo que vivia naquela cidade. Já perto da caixa, onde me encontrava para fazer o pagamento da edição em italiano das Vidas dos Mais Excelentes Pintores, Escultores e Arquitetos, de Cimabue a Miguel Ângelo, o clássico de Giorgio Vasari, vislumbrei um curioso objeto de plástico transparente. Era uma pequena lanterna que funcionava a pilhas. Na extremidade tinha uma mola para se prender às páginas de um livro. Mas a particularidade mais fascinante era que, ao carregar-se no botão para acender, a ‘cabeça’ cilíndrica onde se encontrava a lâmpada girava sobre si mesma, como que por magia, permitindo direcionar a luz. Saí da livraria muito satisfeito, talvez até mais por causa da lanterna do que dos livros.

Por coincidência, o segundo destes objetos que comprei foi também em viagem, depois de um trajeto noturno de mais de duas horas num autocarro às escuras. Uma vez chegado ao destino, decidi precaver-me para o regresso uns dias mais tarde. Como seria de esperar, as luzes no interior do autocarro da volta já funcionavam perfeitamente…

Depois os meus filhos nasceram, e descobri que não era o único tinha uma especial predileção por aquelas lanternas. Daí em diante, conseguir que se mantivessem em bom funcionamento tornou-se uma batalha perdida. Fosse por meterem-nas na boca, por baterem com elas no chão ou simplesmente por as partirem, todas as lâmpadas apareciam estragadas. Primeiro, a que adquirira na Edison, em Florença. Levando-a a uma loja da especialidade para trocar a lâmpada fundida, explicaram-me que não se vendiam em Portugal lâmpadas daquele formato. Para não ficar irritado de cada vez que a via, optei por deitá-la fora.

Foi então a vez da que comprara por causa da viagem no autocarro às escuras deixar de funcionar. A partir daí, sucederam-se a um ritmo infernal: recebi de presente uma caríssima e de design apuradíssimo que se carregava no computador, uma outra mais comum a pilhas e até uma que funcionava com um dínamo. Todas elas, ao fim de pouco tempo, apareciam estragadas ou partidas. E eu, para não ficar a pensar nisso, deitava-as no lixo.

Até que chegou o momento em que desisti de ter a minha lâmpada de leitura. Devo confessar que não me fizeram grande falta – nunca foi por falta de luz que deixei de poder pegar num livro. Mas não serão precisamente os objetos com menos utilidade aqueles que mais nos seduzem?