Irão. O acordo está moribundo mas vivo

Os iranianos estão descontentes, mas a promessa de investimento europeu pode salvar o acordo

Irão. O acordo está moribundo mas vivo

A manobra americana não fará descarrilar de imediato o acordo nuclear iraniano. Primeiro, porque o tratado dá um mês para uma possível reconciliação dos signatários. Dificilmente acontecerá mas, mesmo assim, as principais sanções americanas só regressam num período de entre quatro e seis meses. Em segundo lugar, e mais relevantemente, porque o governo iraniano adiantou na segunda–feira que o abandono de Washington não provocará com certeza a saída iraniana. O presidente moderado Hassan Rouhani afirmou na televisão pública que, caso europeus, russos e chineses se mantenham no acordo e não renovem as sanções, como os americanos, as regras continuarão válidas e não haverá corrida a um armamento nuclear. “Caso consigamos o que queremos do acordo sem a América, então o Irão preservará os compromissos do acordo.”

A notícia apazigua parte das tensões provocadas pelo abandono americano. No entanto, a decisão de Trump deixa o tratado moribundo. Rouhani e o seu governo apresentaram desde o início o acordo como uma via para a reabertura de Irão ao mundo e à prosperidade económica de que se viu privado sob sanções internacionais. Permanecendo os grandes países europeus no acordo, permanecem também, em princípio, as promessas de investimento estrangeiro na economia mais diversificada, especializada e industrializada do Médio Oriente. Teerão, por exemplo, aceitou em 2016 comprar 80 aeronaves à Boeing por 16,6 mil milhões de dólares. Se não há negócio com os americanos, pode haver com os franceses da Airbus. 

Os países europeus, Rússia e China já se comprometeram a ficar no acordo. No entanto, o tratado nem por isso deixa de estar moribundo. A revitalização económica que Rouhani e o seu governo moderado previram para o país no pós-acordo ainda não se materializou e as consequências são evidentes. No início do ano assistiu-se aos maiores protestos no Irão desde que o ex-presidente Mahmoud Ahmedinejad venceu as eleições de 2009 sob fortes indícios de manipulação das urnas. Morreram mais de 20 pessoas em vários dias de manifestações contra Rouhani, as más condições económicas e as promessas frustradas do tratado. Os protestos, porém, lançaram-se também contra a elite religiosa, incluindo mesmo o aiatola Ali Khamenei. 

Os observadores da situação iraniana dizem que será pelo descontentamento que o tratado fracassará. Rouhani pode cair face à oposição radical, que não tem amor ao acordo e vem prometendo até apressar o desenvolvimento de armas nucleares. O mais recente sobressalto no tratado pode forçar mesmo os próprios moderados a abandoná-lo.

“Assistiremos a mais emigração, mais desemprego, mais bancarrotas e mais empobrecimento”, contava ao “New York Times” Amirhossein Hasani, iraniano que se desfez da sua empresa de aplicação de cozinhas. “Alguns pensarão que o caminho é uma mudança de regime.”