Operação Fizz. Carlos Silva diz que há “agendas” por trás das versões dos arguidos

No segundo dia de depoimento, o presidente do Banco Privado Atlântico admitiu que possa ter indicado Proença de Carvalho para tratar de problema de Orlando Figueira e falou da sua relação com Manuel Vicente e Álvaro Sobrinho

O banqueiro Carlos Silva disse ontem que, além de não ter contratado o ex-procurador Orlando Figueira quando este saiu da magistratura, também não teve nada a ver com o crédito que  foi concedido ao antigo magistrado no banco a que preside, o Banco Privado Atlântico.

A testemunha – que continuará hoje a ser ouvida no julgamento do caso Fizz – admitiu ainda a possibilidade de ter sugerido o nome de Daniel Proença de Carvalho quando, em 2015, foi contactado pelo colega de administração do Millenium BCP Iglésias Soares sobre dificuldades que o ex-procurador Orlando Figueira estava a ter com transferências pendentes no Banco Privado Atlântico, de que o banqueiro é também presidente. Durante toda a manhã de ontem, Carlos Silva esteve a responder às questões do advogado Rui Patrício – que representa os arguidos Armindo Pires e Manuel Vicente.

Depois da primeira conversa com Iglésias Soares, este administrador terá insistido mais tarde para obter uma resposta para o antigo procurador Orlando Figueira, acusado neste processo de corrupção. 

O MP defende que Figueira foi corrompido pelo ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente, mas o arguido garante que quem o contratou e lhe pagou o dinheiro que recebeu quando saiu do DCIAP foi uma sociedade ligada ao banqueiro Carlos Silva, algo que diz ser comprovado com os diversos pedidos de satisfação que fez ao próprio, como este que foi mediado por Iglésias Soares.

Carlos Silva, por seu turno, diz que nunca teve nada a ver com a contratação do antigo magistrado e que mesmo quando o colega de administração o contactou nunca foi para falar de um contrato acordado consigo, sendo apenas pedindo que percebesse os motivos pelos quais estavam pendentes transferências no BPA. 

“O dr. Iglésias Soares ter-me-á perguntado mais tarde novamente e eu reagi dizendo a informação do meu gabinete, de que não havia transferências pendentes para esse beneficiário”, disse perante o coletivo.

“Contrato com angolanos? Quem? Somos 30 milhões” Segundo adiantou, nessa altura, Iglésias Soares terá insistido: “Ah mas o homem disse que tinha contrato com angolanos”, ao que Carlos Silva diz agora ter respondido: “Mas com quem? Somos 30 milhões”.

A partir dessa altura e tendo em conta o descrito, admite que possa ter sugerido o nome de Daniel Proença de Carvalho. “Quando alguém diz que há transferências pendentes… eu terei sugerido que falasse com um advogado. Talvez tenha sugerido o nome do dr. Proença de Carvalho e penso que o do dr. Frutuoso de Melo”, continuou.
Carlos Silva foi ainda questionado pela defesa de Armindo Pires, homem de confiança de Vicente e acusado de ter sido intermediário no alegado esquema de corrupção, sobre se é normal que um assunto “menor” como este fosse levado ao presidente do banco, caso o próprio não tivesse nada a ver com a contratação ou os problemas de Orlando Figueira.

“Acho normal entre colegas de administração, é meu colega de conselho é normal que me coloque alguns temas”, concluiu.

Banqueiro diz que não tem de  ouvir considerações Ainda durante a manhã, a defesa quis perceber melhor como é que funciona a gestão da caixa de correio eletrónica de Carlos Silva, que no primeiro dia em que foi ouvido, segunda-feira, disse não ter visto que Paulo Blanco  lhe enviou as minutas de trabalho de Orlando Figueira, alegando que quem tratava dos seus emails era a sua assistente.

Apesar da versão apresentada, ontem foi confrontado com diversos documentos em que se verifica que respondia pessoalmente aos emails de Paulo Blanco, sem a intervenção da assistente.

O advogado Rui Patrício questionou também o facto de ser uma assistente a determinar o que dava ou não conhecimento ao presidente do banco, lembrando que o email em que seguiram as minutas estava dirigido ao presidente e tinha uma linguagem formal.

No decurso das diversas perguntas do advogado sobre os detalhes da intervenção da testemunha, houve diversos momentos de tensão, com Carlos Silva a dizer que não tinha ido a tribunal para ouvir considerações do advogado.

No fim da instância de Rui Patrício foi confrontado com uma notícia de um jornal angolano de 2013 em que já se falava das suas ligações a Orlando Figueira e questionado sobre a propriedade de tais órgãos de comunicação – que disse desconhecer. Foi ainda questionado sobre a sua relação com o ex-presidente do BES Angola Álvaro Sobrinho, um dos angolanos que Orlando Figueira investigou, garantindo que não se tratava de nenhum inimigo. Carlos Silva foi aliás claro sobre esse assunto: “Por vezes há agendas com origens diferentes e que lançam angolanos contra angolanos”.
“Tem de haver uma agenda de alguém” Já durante a parte da tarde, Carlos Silva disse que a relação que tinha com o ex-vice-presidente angolano Manuel Vicente é “profissional”, adiantando que nunca tiveram negócios juntos. “Coincidimos em órgãos sociais na holding do BPA e no conselho executivo do BCP”, explicou.

Segundo disse ao coletivo presidido pelo juiz Alfredo Costa não é visita de casa do ex-governante angolano, nem vice-versa, e não quis conjeturar se o ajudaria a arranjar um emprego para alguém, quando questionado sobre essa hipótese pelo coletivo: “Está a colocar-me uma questão que é complicada… Como o Eng. Manuel Vicente nunca me pediu isso, é uma pessoa muito formal, que gere as relações dele com equidistância”.

Reforçando ser falsa a tese dos arguidos, de que contratara o ex-procurador, Carlos Silva diz que se tal fosse verdade que Orlando Figueira o teria procurado no Tagus Park, até porque a determinado momento ao antigo magistrado foi trabalhar para aquelas instalações do BCP: “Toda a gente no Tagus Park sabe qual era o gabinete que eu partilhava. Todos os motoristas do Tagus Park me conhecem”.

E reforçou a tese perante os juízes: “Toda a gente que tem relação profissional comigo tem-me acesso… Porque estar disponível para as pessoas é a função de um presidente de um bancos”. 

Quanto à versão dos arguidos Paulo Blanco e Orlando Figueira diz que só pode haver interesses por trás, ainda que não consiga identificar nenhum.

“Isto é grave demais. Tem de haver uma agenda de alguém, estamos a falar de pessoas adultas. Ok não tem acesso, mas sabe que a pessoa está lá no banco, então vai lá…”, rematou, dizendo que se tivesse tido interesse em cimentar uma relação com Orlando Figueira ou contratá-lo, como é referido pela defesa,  teria pedido o seu número de telefone quando almoçou com ele no Ritz, o que, afirma, não fez.