A entrevista de Marcelo

Apesar dos fundadores deste regime terem optado por um sistema político apelidado de semi-presidencialismo, o Presidente, na prática, não governa coisíssima alguma, limitando-se a dispor da capacidade de mandar uma bocas para o ar com a intenção de pressionar quem, verdadeiramente, se encontra ao leme do País.

Como todos bem sabemos, Marcelo gosta muito de dizer coisas e de tal maneira o encanta falar de tudo e de nada que, por vezes, se esquece de que a sua residência oficial já não se localiza nos estúdios da TVI, mas sim em Belém!

Frequentemente despe a sua farda presidencial e troca-a por a de comentador político!

Naturalmente que no meio de tanta conversa, entre análises acertadas, como nele é habitual, por vezes saem disparates, fenómeno que se observou na sua recente entrevista a um jornal diário.

Marcelo garantiu que no caso de voltar a ocorrer uma tragédia com as dimensões das registas em consequência dos incêndios que, no ano transacto, deixaram Portugal a arder, ceifando mais de uma centena de pessoas, não se recandidata à Presidência da República.

Mas disse também que em situação análoga não demitirá o governo.

Obviamente que estas declarações não são admissíveis para quem recebeu um significativo voto de confiança popular para o desempenho das altas funções de que foi investido.

Marcelo deveria ter dito exactamente o contrário!

Apesar dos fundadores deste regime terem optado por um sistema político apelidado de semi-presidencialismo, o Presidente, na prática, não governa coisíssima alguma, limitando-se a dispor da capacidade de mandar uma bocas para o ar com a intenção de pressionar quem, verdadeiramente, se encontra ao leme do País.

Não é o Presidente quem faz as leis, somente as promulga, não é ele quem implementa as medidas constantes nos programas eleitorais sufragados nas legislativas, nem tão pouco é ele quem escolhe os protagonistas dos diversos orgãos de decisão estatais, responsáveis pela boa governação.

Ou seja, o Presidente não pode, nem deve, ser directamente responsabilizado por uma calamidade que poderia ser evitada por adequadas acções preventivas, quando não tem em mãos o poder de as executar.

Todas as tarefas que visem esse fim são da estrita competência do governo, único órgão de soberania que possui as ferramentas necessárias para a adopção das medidas que procurem  evitar mais vítimas em consequência de incêndios descontrolados.

Se se repetirem os infindáveis erros que estiveram na origem da atabalhoada resposta no combate aos fogos na última estação quente, e em que todas as entidades integradas no sistema de protecção civil ficaram mal na fotografia, o governo terá de ser duramente responsabilizado e, consequentemente, penalizado, por essa incúria, não podendo, desta vez, voltar a sair incólume das trapalhadas em que se envolveu.

Não basta demitir-se uma pobre ministra que, coitada, viu-se logo que não tinha jeitinho nenhum para aquilo, safando-se os verdadeiros culpados que, cobardemente, foram incapazes de assumirem a incompetência em que se especializaram.

Neste republicanismo em que os poderes presidenciais são bastante diminutos, sobra um que tem de ser exercido quando razões suficientemente fortes o justifiquem: o da demissão do governo.

Marcelo dispõe dessa faculdade e quando o interrogaram se a poderá usar, ou esquivava-se a responder, por considerar a pergunta inoportuna, ou respondia afirmativamente, porque é precisamente isso que dele se exige.

Se nova tragédia vier a enlutar os portugueses, em circunstância alguma se deverá punir os inocentes e absolver novamente os culpados.

A provar-se descoordenação e desleixo, como os recentes conflitos observados na protecção civil parecem indiciar que para aí caminhamos, é o governo que terá de ir para a rua e nunca o Presidente!