Apagar o fogo coreano Incendiando a pira do Irão

Trump abandonou o acordo nuclear iraniano e reavivou os fogos do Médio Oriente. A Europa agarra-se aos farrapos de um pacto imperfeito. Por agora, parece não ter alternativa. 

Apagar o fogo coreano Incendiando a pira do Irão

Donald Trump tomou esta semana a mais importante decisão diplomática da sua jovem e tumultuosa presidência. Abandonou o acordo nuclear iraniano, derrubou mais um pilar erguido por Barack Obama e, pelo caminho, para surpresa de ninguém, reacendeu as piores fagulhas no Médio Oriente. Assistindo paralisados à mais recente detonação norte-americana, aos europeus resta apanhar de novo os cacos. A Casa Branca reaviva de um lado as chamas e, por outro, regela a aliança transatlântica. Na quinta-feira, a chanceler alemã repetia a mensagem que pela primeira vez introduziu em março do ano passado, dois dias depois de conhecer em pessoa a nova face da América: «A Europa já não pode confiar nos Estados Unidos e deve colocar o destino nas suas próprias mãos», lançou Angela Merkel na companhia de Emmanuel Macron, em Aquisgrão, na Alemanha. «Não podemos deixar que os outros decidam por nós», afirmou o Presidente francês. 

A Europa coloca em causa a sua aliança mais importante. Reconhecê-lo estaria, em condições normais, no primeiro plano. Esta semana, porém, não é assim. E isto porque as fagulhas que Donald Trump reacendeu já deram chama. Na noite de quarta para quinta dispararam-se várias dezenas de rockets contra posições militares israelitas nos Montes Golã, um dos territórios anexados por Israel depois da Guerra dos Seis Dias e o local que Telavive hoje usa como uma espécie de almofada de segurança para evitar os despejos da guerra civil síria. Aos olhos das Forças Armadas israelitas, não há dúvidas de que os 50 rockets – ou à volta disso – foram disparados pelas forças especiais iranianas que combatem com os homens de Bashar al-Assad. Israel ordenou uma retaliação violenta, multiplicando por várias ordens de grandeza o ataque inicial, totalmente repelido pelas baterias antiaéreas de Telavive. Nas horas que se seguiram, Israel deu o maior passo no sentido de uma guerra aberta com o rival iraniano e lançou o seu maior ataque contra território estrangeiro desde a guerra do Yom Kippur, em 1973. Os seus caças bombardearam pelo menos sete instalações iranianas, incluindo bases nos arredores de Damasco. «Atingimos praticamente todas as estruturas iranianas na Síria», disse, triunfal, o ministro israelita da Defesa, Avigdor Lieberman. «Têm de se lembrar do provérbio: ‘se chove para nós, para vocês haverá tempestade’».

Acordo ficção

Irão e Israel pareciam ter engavetado ontem os confrontos da madrugada de quinta. O vazio criado pela manobra de Donald Trump, no entanto, mantém-se. O acordo nuclear foi concebido para travar no curto prazo o desenvolvimento de bombas nucleares iranianas, num momento em que bastaria a Teerão três meses de ações clandestinas para construir uma ogiva. O pacto, para além disso, é um contra-argumento à guerra. Arábia Saudita, Israel e Irão não se enfrentariam diretamente, mesmo nos campos de batalha que têm em comum, para não ameaçarem o pacto. Os Estados Unidos eram até esta semana a coluna central a este entendimento. Aos sauditas e israelitas não interessava colocarem em causa a aliança americana para enfrentarem com mais violência o rival. «Escolhemos construir a paz no Médio Oriente», lançou Macron na quinta-feira, lançando-se em seguida aos americanos. «Outras potências não mantiveram a sua palavra».

«No essencial, o acordo iraniano foi uma ficção gigante sobre um regime homicida desejar apenas um programa energético nuclear pacífico», anunciou Trump esta terça, abandonando um acordo contra o qual fez campanha e só não rasgou antes porque se encontrava rodeado de conselheiros moderados cientes de que, embora imperfeito e temporário, o pacto internacional é a garantia mais robusta de que Teerão não procurará clandestinamente uma bomba até, pelo menos, o ano 2025. O abandono americano, contudo, não matou por completo o acordo. Precavendo-se contra a manobra de Trump, Teerão garantiu que se manterá à mercê das inspeções internacionais e limites ao enriquecimento de urânio caso os europeus, russos e chineses, os grandes signatários do entendimento de 2015, se comprometam a não ressuscitar as sanções contra a República Islâmica. O combate dos próximos meses acontecerá neste campo. O Presidente Hassan Rouhani pretende salvar o seu governo moderado com a melhoria das condições económicas prometidas há três anos. Para isso, as empresas dos países que se aguentam no pacto têm de compensar a fuga norte-americana e as sanções que Washington fará regressar. Trump pode não o permitir.