Fui atendido pelo patrão

No café, na margem sul do Tejo, onde por vezes me detenho para beber uma bica e comer um bolo antes de apanhar o barco para Lisboa, na última sexta-feira, aconteceu uma coisa inabitual: em vez de ser atendido por uma das empregadas, foi o patrão do estabelecimento quem me serviu. Razão: ele não consegue…

Este senhor que me atendeu culpou por essa circunstância a existência do Rendimento Social de Inserção, mas essa explicação não me convence. É que o valor do RSI, na melhor das hipóteses, é de 186 euros por mês e por pessoa, doze vezes por ano, enquanto o valor do salário mínimo nacional, antes de descontos, é de 580 euros por mês, catorze meses por ano. Basicamente, é o triplo.

A situação do mercado de trabalho português mudou, embora haja muita gente que ainda não se apercebeu disso. Depois de muitos anos em que era muito fácil despedir, ao mínimo capricho do empregador, e arranjar facilmente um substituto, hoje em dia a mão-de-obra, sobretudo a mais qualificada, começa a escassear. Onde eu agora trabalho há, para além de portugueses, espanhóis, franceses, italianos, ingleses, russos… E estas pessoas não vieram tirar o trabalho a portugueses. Vieram antes ocupar postos de trabalho que, se estes imigrantes não os ocupassem, não existiriam, pois não haveria ninguém capaz de os preencher.

Note-se que estes imigrantes recebem um salário suficientemente atrativo para deixarem os seus países de origem e virem-se estabelecer em Portugal. É assim: quem precisa de qualidade paga-a. Investe na formação dos empregados, e oferece remunerações atraentes. Além disso, a maioria destes imigrantes é jovem: estão em idade de terem filhos, contrariando assim a hemorragia demográfica portuguesa.

O paradigma do mercado de trabalho português mudou. Hoje, é muito mais fácil arranjar um posto de trabalho, e mantê-lo, do que era há uns anos atrás. Os empregados deixaram de ser carne para canhão. De facto, o setor da construção já se começou a queixar da falta de mão-de-obra qualificada. Seria muito irónico se o crescimento económico português, agora finalmente em valores razoáveis (não bons, apenas razoáveis) viesse a desacelerar por falta de mão-de-obra qualificada. Mas esse risco existe. Basta perguntar a qualquer empresário de média dimensão.

A solução para este problema dos patrões, como as empresas mais modernas bem sabem, é muito simples: paguem remunerações mais atraentes, e invistam na formação dos empregados.

E não rebentem os empregados com trabalho. Ter uma equipa de pessoas em “burnout” não é bom para a empresa. Na Bélgica, o meu horário de trabalho era de 36 horas de trabalho por semana, o que nunca impediu que a minha produtividade fosse superior à dos meus colegas portugueses que faziam noitadas para trabalhar. E não fiquei mais inteligente quando aterrei na Bélgica.

Mais uma vez, é muito simples. O local de trabalho é para trabalhar. Podem-se gastar dois minutos para discutir se no jogo de futebol da véspera o penalti foi ou não bem assinalado. Mas são dois minutos, não é a manhã inteira.

Isto tem um reverso da medalha: as empresas, para terem bons trabalhadores, têm que insistir que as pessoas tenham também uma vida pessoal. Têm familiares e amigos que precisam urgentemente de atenção. Se tiverem filhos, no mínimo dos mínimos, têm de dar bons exemplos. Podem praticar desporto ou ioga. Têm a casa arrumada. Leem, ou veem televisão. Ouvem música. Se forem realmente afortunados, têm colunas de opinião em jornais. Se não tiverem essa oportunidade, criam o seu blogue, ou associam-se a um já existente.

É muito óbvio: ter um trabalho é importante, para nos realizarmos e para nos assegurar a subsistência, mas nós somos mais do que os nossos trabalhos. Somos pessoas com muitas dimensões, e convém que nunca nos esqueçamos disso. O cliché é verdadeiro: antes dos números, estão as pessoas.