O ‘saco azul’…

O famoso ‘saco azul’ do GES de Ricardo Salgado ainda não parou de fazer estragos

No meio do turbilhão desencadeado pela ‘desfiliação’ de Sócrates do PS, como se fosse coisa de monta, o que espantou não foi a alegada ‘surpresa’ de António Costa desde o Canadá – perante a «vergonha» de César e a carta alvoroçada do ex-primeiro ministro – mas o coro afinado que se seguiu. Encenação perfeita para consumo avulso, sem direito a perguntas.

O PS tem vindo a distinguir-se pela habilidade em contar-nos ‘histórias da carochinha’ quando algo lhe corre mal. E Costa consegue estar sempre fora, fiel aos ensinamentos de que o filtro da distância se mostra eficaz para contornar qualquer agitação mediática. 

Há cerca de um ano foram os incêndios florestais, com não poucas vítimas, e o roubo de armas em Tancos, até hoje sem culpados conhecidos. Desta vez brotaram os sentimentos de «vergonha» e de «desonra» a propósito de Sócrates, a reboque de Manuel Pinho, cabendo a ‘ignição’ a Ana Gomes. 

Mais impressivo ainda: a família política do ex-primeiro-ministro precisou de quase quatro anos após a sua prisão preventiva, e de seis meses desde que foi deduzida a acusação, para estremecer de desconforto e de indignação.

Uma ‘tempestade perfeita’ anunciada, e uma ‘vaga de fundo’ com muita espuma ‘envergonhada’, em vésperas do Congresso socialista.

Recuemos no tempo. Em 2014, quando um Sócrates estupefacto ficou confinado à cela de Évora, Costa apressou-se a enviar um mail no último dia das ‘diretas’, no qual concluía que «estamos todos por certo chocados com a notícia da detenção», lembrando, contudo, que «os sentimentos de solidariedade e amizade pessoais não devem confundir a ação política do PS» e que «só à Justiça cabe conduzir (o processo) com plena independência, que respeitamos».

Eleito Costa, como há muito desejava, não tardou o corrupio de altos dirigentes do partido a caminho do estabelecimento de Évora, de Guterres a Ferro Rodrigues, incluindo o fundador histórico, Mário Soares – para quem não restavam dúvidas, com alvos à vista, de que «todo o PS está contra esta bandalheira toda».

Com a fasquia da exaltação partidária no zénite, apesar do recato proposto pelo novo líder, o famoso ‘preso 44’ viu-se rodeado de celebrantes e de acólitos, revoltados com o ‘desaforo’ justiceiro que se abatera sobre um homem que achavam sem mácula. 

A procissão de desagravo incluiu atuais e antigos governantes, desde Capoulas Santos – o primeiro a bater à porta da cadeia – a Augusto Santos Silva, a Vieira da Silva, até a António Arnaut, que hoje, com má consciência, o execra pela «vida acima das suas possibilidades, uma vida de fausto, acima daqueles que são os padrões indissociáveis da ética republicana e socialista». 

Uma «desonra para a democracia», como diria Costa, subitamente lesto e de verbo afiado, depois de ter trabalhado com ele, anos a fio, sem nunca dar por nada. 

Ao ‘tiro de partida’ disparado por César – já recuperado do ‘período de nojo’, com os custos da insularidade – o PS reagiu aliviado, quase em uníssono, com a renúncia de Sócrates, como se há muito a desejasse. O fim do pacto de silêncio libertou os ‘paroquianos’ da expiação que os apoquentava. Um milagre. 

Claro que se alguém vislumbrar hipocrisia nesta mudança de rumo concertada será imediatamente suspeito de heresia. Mas custa a crer que tantos colaboradores íntimos de Sócrates, com responsabilidades de primeira linha, só agora tenham despertado para a sua ‘pesada herança’, entre as opções mitómanas e gravosas até à sua inexplicável «vida de fausto».

Pior: ao longo do ‘tempo de antena’ de que gozou na Quadratura do Círculo, na SIC Notícias, não há memória de se ter ouvido a António Costa, enquanto comentador residente do programa, um reparo, uma crítica de fundo aos comportamentos de Sócrates. 

Porém, nesta nova liturgia do PS, até o edil Fernando Medina abandonou o cinzentismo habitual para exigir «que devemos ser implacáveis do ponto de vista ético com quem está em altas funções públicas». Palavra?…

Em 2014, Costa cuidou de tomar medidas expeditas para que o Congresso não ficasse contaminado pela choradeira das ‘viúvas’ em estado de aflição. O tabu saiu-lhe bem. 

Sócrates ‘pairou’ no conclave sem nunca ser nomeado, como se o seu nome fosse impronunciável. O ‘cordão sanitário’ funcionou. 

Em vésperas de novo Congresso, não será fácil ignorar os ‘fantasmas’ e os ‘empecilhos’ fechados no armário. Até porque há ‘viúvas’ na agremiação que teimam em ‘dar corda’ ao seu ídolo, num repasto a preceito. Bruscamente, tudo mudou.

Depois da aliança do PS com a esquerda comunista, ao arrepio da sua história, esta súbita conversão à purificação da alma promete controvérsia. 

O famoso ‘saco azul’ do GES de Ricardo Salgado ainda não parou de fazer estragos…