O lado b da liberdade de escolha no SNS

Diretor de oncologia do Santa Maria está preocupado com o aumento da procura. No maior hospital do país, 60% dos doentes que chegam hoje às urgências pertenceriam a outros hospitais.    

«Se não tenho espaço nem pessoas suficientes para fazer o trabalho, o que vou fazer?». O alerta de Luís Costa, diretor de serviço de oncologia do Hospital de Santa Maria, gerou uma onda de preocupação. O hospital continua a dar resposta a todos os doentes dentro dos tempos recomendados, mas Luís Costa admitiu ter de abrir pela primeira vez lista de espera nesta área e adiar tratamentos uma semana, atribuindo o aumento de procura também ao facto de, desde 2016, os doentes poderem escolher os hospitais para onde são encaminhados pelos médicos de família.  

Problema isolado ou necessidade de reflexão maior? Carlos Martins, presidente do Centro Hospitalar Lisboa Norte (que integra Santa Maria), rejeita o cenário de lista de espera nesta área, o que a confirmar-se motivaria mais do que a sua preocupação. «Teria de tirar ilações», diz. Mas reconhece que ter capacidade para responder ao número crescente de doentes que procuram a instituição, por exemplo em áreas como  dermatologia e endocrinologia, exige hoje uma monitorização diária. «Atualmente, 60% dos doentes que recorrem à urgência do Santa Maria são de fora da área e 50% não são doentes urgentes mas acabam por fazer exames e ficar com consultas marcadas. Somos a urgência em que a atividade mais tem estado a crescer», explica o administrador. 

Em 2016, a percentagem era 57%, num hospital onde há cerca de 20 mil idas às urgências todos os meses. Os dados das consultas pedidas pelos médicos de família são ainda mais expressivos: em 2016, primeiro ano do conceito de ‘livre acesso’ no SNS, 70% das marcações diziam respeito a doentes de fora da área de responsabilidade direta do hospital, portanto que pertenceriam a outros hospitais. Em 2017, a percentagem subiu para 72%. «Não é possível mudarem-se as regras do acesso e dentro dos hospitais continuarmos sem autonomia», diz Martins, exemplificando que qualquer processo de aquisição de equipamento demora hoje um ano em termos de autorizações. Para o gestor, a qualidade e diversidade de resposta no hospital explicam os indicadores. mas a consequência é o risco de os serviços terem dificuldade em responder. Impunha-se. por isso. uma avaliação do impacto real da liberdade de escolha – quer no aumento da procura em alguns hospitais, quer na diminuição de atendimentos nas instituições de onde os doentes estarão a ser desviados, defende. 

Norma travão?

Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, não tem a perceção de que a hipótese de os doentes poderem escolherem os hospitais onde são tratados no SNS esteja a ter um forte impacto nas instituições no geral. Os últimos dados da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) indicam que apenas 11% dos doentes que precisaram de uma consulta hospitalar desde junho de 2016 usufruíram deste direito, cerca de 360 mil pessoas. 

O administrador explica que há dois fatores que guiam a liberdade de escolha: a perceção de qualidade e os tempos de espera, que hoje são monitorizados de perto. Perante uma situação de pré-rutura da resposta,  deve haver o ‘bom senso’ do hospital de não aceitar novas marcações, argumenta. 

Atualmente não existe uma ‘norma-travão’ deste género regulada, o que poderia trazer vantagens em áreas mais sensíveis. Segundo o SOL apurou junto de fonte governamental, para já não há qualquer alteração prevista.