Coreia do Norte faz guinada e põe em causa encontro com Trump

Pyongyang interrompe indeterminadamente os contactos com Seul em resposta aos ensaios militares conjuntos entre EUA e Coreia do Sul

O regime norte-coreano operou na noite de ontem uma reviravolta diplomática com a qual pode comprometer o clima de apaziguamento internacional e pôr em causa o encontro entre Donald Trump e Kim Jong-un, agendado para o dia 12 de junho. Por volta da meia-noite, na hora local, o regime comunicou ao vizinho sul-coreano a decisão de suspender por tempo indeterminado os encontros agendados para as próximas semanas e meses, ao longo dos quais procurariam negociar uma paz definitiva para a guerra iniciada em 1950. Pyongyang considera que os ensaios militares iniciados na semana passada e organizados por norte-americanos e sul-coreanos são uma “provocação” e um ensaio encapotado para uma “invasão” ao seu território. 

A notícia é uma surpresa com travo amargo e consequências imprevisíveis. Os Estados Unidos afirmavam ontem à noite que nada lhes foi comunicado e que prosseguem os trabalhos de preparação para a cimeira de dia 12 em Singapura. No entanto, o apaziguamento entre o Norte e o Sul tem servido como a coluna vertebral da reaproximação entre coreanos e americanos – a Casa Branca encara Seul como um balão de ensaio às boas intenções norte-coreanas. A guinada diplomática noturna de Kim Jong-un marca mais do que o regresso à retórica de guerra e postura defensiva da Coreia do Norte: volta também atrás com posições assumidas no começo do apaziguamento. 

Em março, quando Kim Jong-un recebeu pela primeira vez enviados sul-coreanos em Pyongyang, dando seguimento às aproximações dos Jogos Olímpicos de Inverno, o jovem ditador assegurou que compreendia os ensaios militares periódicos realizados em conjunto pela Coreia do Sul e EUA e que, por isso, não os tomaria como violação ao apaziguamento. Kim manteve a palavra quando, nas semanas que se seguiram, Washington e Seul realizaram os exercícios que haviam adiado meses antes por ocasião da Olimpíada. A porta-voz do Departamento de Estado americano, Heather Nauert, sublinhou isso mesmo ontem à noite. “São exercícios legais, estão bem planeados e há muito tempo”, afirmou na capital dos EUA. 

O fim temporário dos contactos coreanos é um duro golpe à aproximação que teve o seu apogeu na cimeira do dia 27 de abril, na qual os líderes dos dois países afirmaram que é tempo de chegar ao fim do conflito e caminhar para a desnuclearização. Kim Jong-un e Moon Jae-in assinaram também um documento com metas para a paz. Os exercícios que provocaram a reviravolta norte-coreana arrancaram na sexta-feira e envolvem perto de uma centena de aeronaves, incluindo bombardeiros americanos B-52. China e Coreia do Norte defendem há anos que as manobras da Coreia do Sul e EUA são um grande entrave às negociações de paz e em busca do desarmamento nuclear, mas Washington e Seul recusam-se a interrompê-las.