Direito ao silêncio

O silêncio é condição primária para a reflexão, sendo uma necessidade tão básica como as férias e fins de semana

Teria uns 14 anos quando comecei a sentir a necessidade de um refúgio, onde estivesse sozinho ‘com os meus botões’, como então se dizia. Mais que tudo, apetecia-me a quietude, que consentia espaço para divagar, ou para me confrontar com o meu pequeno mundo, que me esforçava por descodificar. Às vezes, também, para deixar a imaginação fluir livremente, sem nenhuma vontade de lhe pôr freio. 

Preocupada por me ver num recolhimento que não era habitual, a minha mãe questionava: «Passa-se alguma coisa? Estás bem?». O normal, numa mãe atenta. Mal sabia ela que, por detrás da aparente apatia, fervilhava uma imaginação sem baias, que me levava a paragens exóticas, ou me fazia protagonista de grandiosas aventuras, em que era explorador, cientista, médico ou, até, advogado de causas improváveis, a exemplo do que via nos filmes de uma RTP incipiente. «Coisas da mudança de idade», alvitravam as amigas da casa. 

Anos mais tarde, o interesse pelas ciências sociais aproximou-me de especialistas da arte, com quem comentei as manias antigas, então já a serem replicadas pelos meus filhos, no rebobinar de um filme conhecido. 

Bela surpresa saber que, afinal, os ‘dislates’ de adolescente faziam parte do crescimento saudável, que dispensa o apoio psicológico, agora instituído como obrigatório. Criança, ou adolescente, que não frequente o psicólogo − onde, invariavelmente, lhe é diagnosticado défice de atenção ou hiperatividade − só pode ser vítima de pais negligentes, ou de professores desatentos. 

Assim reza a moderna liturgia, perfilhada por uma sociedade que, cada vez mais, acredita que a receita da felicidade se obtém no consultório e se avia na farmácia, com o automatismo de uma ida ao Multibanco: mete cartão, sai dinheiro. 

Ao contrário do que cuidam mães e pais, cada vez com menos tempo e paciência para observarem as tendências, os hábitos e os gostos dos filhos, a conquista de espaços de privacidade – que tanto servem para mergulhar no recolhimento como para dar asas à fantasia – deve ser vista como um ‘direito absoluto’ de jovens e menos jovens. 

O silêncio é condição primária para a reflexão, sendo uma necessidade tão básica como as interrupções na atividade – férias e fins de semana – que estão consagradas na lei e nos contratos de trabalho. 

As pausas podem ser úteis e produtivas, sobretudo se corresponderem a momentos de concentração, onde é possível carregar o ânimo para acometer os grandes desafios, ou a determinação para realizar as grandes obras. Consequência do direito ao silêncio e às pausas para pensar, é o direito à preguiça. Porquê? Porque faz bem… e sabe melhor! 

A ninguém, jovem ou idoso, deve ser negado o direito à serenidade, gozada no seu canto privado, se esse for o desejo ou a necessidade. Conhecedor da alma humana, e das humanas fraquezas, Fernando Pessoa explicou magistralmente: Ai que prazer / Não cumprir um dever, / Ter um livro para ler / E não o fazer!

Não por acaso, o nome do poema é Liberdade.