Ainda o Orçamento do Estado

Cerca de 70% dos países da OCDE considera a introdução de género no Orçamento de Estado um fator importante de combate às desigualdades 

Há algumas semanas publiquei neste jornal um artigo intitulado Orçamento de género adiado?. Falava do artigo 17.º do Orçamento de Estado de 2018, que poderá ter passado despercebido a muitas e a muitos, dada a sua presença algo solitária neste documento fundamental do Estado. Permitam-me que volte ao assunto para mostrar que, o que em Portugal ainda é pouco mais do que um artigo no Orçamento de Estado, nos outros países da OCDE é já uma realidade diversificada e, em alguns casos, bem consolidada. 

A grande maioria dos países da OCDE (cerca de 70%) considera a introdução da perspetiva de género no Orçamento de Estado um fator importante de combate às desigualdades de género. Quanto à forma de o fazer, porém, existe grande variedade. Por exemplo, a Austrália publica anualmente, desde 2008, um documento complementar ao Orçamento onde são detalhadas as políticas públicas com impacto na vida das mulheres. A Suécia faz algo semelhante, desde 1988, num apêndice ao Orçamento de Estado, onde discrimina a distribuição dos recursos financeiros entre os géneros. Na Alemanha, por outro lado, o Governo Federal estipulou que as políticas gizadas pelos Ministérios devem «tomar em consideração objetivos de igualdade de género e o seu impacto em termos de género» (OECD Journal on Budgeting, 2017).

A Áustria é um caso à parte. À semelhança da Constituição Portuguesa (no seu artigo 9.º), a Constituição Austríaca consagra a igualdade entre homens e mulheres. Mas não se fica por aqui. A lei fundamental dos Austríacos dedica uma alínea do artigo 13.º e duas alíneas do artigo 51.º à tradução orçamental da igualdade de género, tornando-se assim a única Constituição do mundo a estipular um orçamento de género.

Uma questão importante é saber como avaliar o impacto dos orçamentos de género. E tem sido abordada de forma diferente por diferentes países. Existem exemplos de procedimentos orçamentais, respeitadores do género, que acabam por sustentar a adoção de cláusulas orçamentais cuja bondade, de outra forma, seria difícil de vislumbrar. E existem também exemplos em que estes procedimentos demonstram que medidas inicialmente consideradas positivas são, na realidade, prejudiciais para um dos géneros e, por isso, devem ser abandonadas. Existe, porém, algo que todos consideram essencial. Designadamente, a existência de estatísticas desagregadas por género, as quais são já obrigatórias em alguns países da OCDE. 

No estudo da OCDE que referi acima, Portugal ainda é incluído no grupo dos países que nada têm planeado em termos de orçamento de género. Isto significa, de acordo com a definição aí formulada, que nada estaria feito relativamente à «integração da perspetiva de género no contexto geral do processo orçamental, através da utilização de processos especiais e instrumentos analíticos, com vista a promover políticas adequadas aos géneros». Ora passado um ano, esta realidade alterou-se. Hoje, existe o artigo 17.º do Orçamento de Estado. Pois bem! Urge cumpri-lo!

Lina Lopes

*Professora da Faculdade de Engenharia da Universidade Lusófona