Quero a verdade, mas o que é isso?

Um jovem dinamarquês foi condenado por publicar uma notícia falsa. O caso passou-se na Malásia, onde existe legislação específica

Há inúmeros indicadores, estudos de mercado e históricos de navegação, que demonstram que o entretenimento é o tipo de conteúdo mais popular nos dias de hoje. Investimos o nosso tempo a ver séries e filmes, transmissões de jogos de futebol, compilações das melhores jogadas do Messi e do Ronaldo, coleções de gatinhos fofinhos nos mais variados preparos. E música, muita música, os vídeos com mais visualizações no YouTube são videoclips (não deixa de ser curioso ver como a música é um dos conteúdos mais desejados online e não há um programa de música num horário decente na televisão aberta, pelo menos em Portugal). 

Apesar dos números das visualizações, partilhas e reações, continuo a acreditar que as notícias são o conteúdo por excelência, o que verdadeiramente diferencia os produtores e distribuidores que simplesmente fazem, daqueles que o fazem bem. Porém, nos tempos que correm, ser primeiro é fundamental, conseguir o reconhecimento de ter sido o primeiro a disseminar a informação. 

Ser o primeiro e ser o melhor não são interesses fáceis de compatibilizar. Otimizar um processo para a qualidade é bem diferente de o fazer para a velocidade. Quando queremos ser primeiros facilitamos onde devíamos ser exigentes, assim estivéssemos orientados para a qualidade. 

A par da questão da velocidade é fundamental saber lidar com o fenómeno do espectador editor, capaz de documentar, interpretar e divulgar uma notícia. Esta é uma consequência, talvez inevitável, dos tempos em que vivemos, uma manifestação comportamental que as pessoas dificilmente vão abandonar. Mas com os quais não estamos preparados para lidar: o espectador publica, o jornalista retifica, a multidão aceita. Pode ser verdade como pode não ser. Acrescenta-se a questão da intencionalidade dos intervenientes que, nestes casos da partilha de notícias, não raras vezes, é tudo menos inocente. Nesses casos, temos um problema muito sério.

Na semana passada uma notícia deu conta de um jovem condenado por publicar uma notícia falsa. O caso passou-se na Malásia, onde existe legislação específica sobre o tema e o cidadão dinamarquês com origem iemenita foi condenado ao pagamento de uma coima. Como alega não ter recursos para pagar os cerca de $2500 do valor da multa, vai cumprir um mês de prisão. As críticas à decisão são muitas, começando no verdadeiro objetivo da lei que, segundo os seus detratores, é um mecanismo de proteção do governo que consegue, assim, controlar a opinião dos cidadãos. Mas, além deste caso concreto que está longe de ser pacífico, que tipo de medidas estão disponíveis para controlar o fenómeno das notícias falsas?

É tentador afirmar que nenhuma. Em boa verdade, colocar um boato em circulação é hoje mais fácil do que nunca. Entre os conteúdos mais partilhados encontram-se as notícias, verdadeiras ou não, sobre figuras e acontecimentos públicos. E se a liberdade de opinião e uma imprensa livre são pilares fundamentais da democracia tal como a conhecemos, regular sobre a sua circulação de informação, que certamente pode ser falsa, não poderá ser entendido como uma ameaça aos nossos direitos?

A resposta até pode ser fácil quanto aos seus princípios, é preciso criar regras que ajudem a limitar, por exemplo, a difamação de uma pessoa, mas não é nada óbvia na definição dos seus limites. Por muito resistente ou ingénuo que possa ser, e sou, sobre teses que desenvolvem teorias da conspiração, a realidade é que está aqui algo demasiado tentador e por demais acessível. É óbvio que quem quiser argumentar uma determinada posição, sobretudo se for um tema popular, vai tentar conquistar este circuito. Os códigos deontológicos e os princípios morais são, neste momento, os reguladores deste tipo de ações, determinam o que se publica e partilha e o que fica na gaveta. Mas no anonimato da internet não costumam ser mecanismos particularmente eficazes.

Até agora, o controlo mais eficaz é feito pela audiência: se os que negam uma determinada afirmação são mais do que os outros, esta acaba por ser desconsiderada. Mas aqui surgem dois problemas graves. Escala não é sinónimo de razão e, de modo algum, devemos permitir que a multidão funcione como um regulador. Não podemos deixar que as coisas se decidam assim, distinguir popular de populismo é fundamental. A democracia, que tanto queremos, protege as minorias melhor do que qualquer outro sistema. Essa é a uma das suas grandes virtudes, talvez a maior do sistema democrático sobre todos os outros. 

Alinhar com a multidão, fazer número e calar o outro, mais fraco ou com menos recursos normalmente funciona. Mas de democrático não tem nada.

*Responsável Planeamento Estratégico do Grupo Havas Media