Eis um nome que ainda hoje mexe com o puritanismo que é imagem de marca de uma grande fatia da população dos Estados Unidos: Alfred Kinsey.
70 anos decorrem sobre a publicação de Sexual Behavior in the Human Male, um livro que ganhou estatuto de maldito. Para o escrever estrevistou – com o auxílio do seus colaboradores mais chegados, Clyde Martin e Wardel Pomeroy – mais de 18.000 pessoas. E traçou a verdade sobre os ímpetos sexuais de indivíduos que não teriam sido capazes de os revelar se não lhes tivessem garantido o anonimato.
Não se libertou daquilo a que costuma chamar-se divisão da doutrina. Para uns foi um cientista, pai da sexologia, para outros apenas um pervertido com uma curiosidade mórbida.
O pai de Alfred Charles Kinsey era um fanático religioso da Igreja Metodista, um controlador absoluto, um feroz defensor das ideias mais conservadoras. Criou no filho um sentimento de culpa perante o sexo que acabaria por afetá-lo na adolescência, tendo o próprio Alfred confessado mais tarde que reprimia todos os acessos de desejo e levando-o a casar-se virgem com Clara McMillan, no tempo em que ambos lecionavam na Universidade de Indiana, ele como zoólogo especializado na observação de vespas.
O casamento foi de suprema liberdade. Ou, segundo os que o hostilizavam, de plena libertinagem. Tiveram quatro filhos mas concordaram desde o primeiro dia em poderem ter relações com outras pessoas. Alfred, que sempre se assumiu como bissexual, era igualmente um ateu convicto. «Não devemos deixar-nos encarcerar no pensamento binário», escreveu certa vez, recusando as designações de homo e heterossexual tout court. Assim sendo, partiu para a criação da Escala de Kinsey, medidora da sexualidade: de 0 a 6, sendo 0 o ponto da pura atividade homossexual e 6 a da pura atividade heterossexual. Mais tarde acrescentou-lhe a letra X, representando a total falta de contacto ou reação perante o sexo.
James H. Jones, um dos seus biógrafos (Alfred C. Kinsey: A Public/Private Life), considerou que os padrões invulgares para a época usados pelo cientista, bem à margem do estilo geral dos seus colegas, foram igualmente uma forma de ele se analisar a si próprio. Por seu lado, a sua mais figadal crítica, a terapeuta sexual Judith Reisman, sublinhou com dureza: «Kinsey estava mais interessado em legitimar a ideologia gay do que propriamente esboçar um amplo painel sobre a sexualidade nos Estados Unidos».
Relatórios
Sexual Behavior in he Human Male concentrou os primeiros resultados das suas pesquisas. Num instante, os 200 mil exemplares postos à venda da primeira edição voaram das livrarias. Alfred tornava-se uma figura conhecida por toda a gente. E polémica como poucas. A Time dedicou-lhe um número: «Nunca desde E Tudo o Vento Levou se tinha assistido a tanto entusiasmo por um livro».
Ao revelar que, para o seu estudo, tivera não apenas de entrevistar pessoas sobre as suas preferências e dinâmicas sexuais, mas também filmar e gravar atos sexuais e inclusivamente participar neles, atraiu sobre si próprio uma catadupa de críticas ferozes se não mesmo assassinas. Aconselhava os seus assistentes a terem uma atividade sexual constante, considerando isso fundamental não apenas para experiência pessoal mas também para melhorarem através delas as suas entrevistas e os seus reportórios e confessou que usava o seu corpo para pesquisa, dedicando-se ao masoquismo, introduzindo objetos no ânus e na uretra e chegando ao ponto de se circuncidar sem anestesia.
Ao abordar a sexualidade infantil, trazendo a público material recolhido em conversas com pedófilos, abalou definitivamente com a aura de silêncio que costumava enredar o assunto. Surgia, no seu livro, um entrevistado que confessava ter mantido relações sexuais com mais de 600 crianças e pré-adolescentes. Judith Reisman não lhe perdoou: «Kinsey é o maior propagandista da pedofilia que existiu na história da ciência».
Alfred esteve-se nas tintas e continuou os seus estudos e recolha de dados, alargada a outros países do mundo, de tal ordem que chegou a ser preso numa alfândega e acusado de introduzir material pornográfico nos Estados Unidos. Criou o seu próprio Instituto e, cinco anos mais tarde, publicou Sexual Behavior in the Human Female.
Houve quem considerasse este segundo relatório como uma espécie de momento inicial para a liberdade sexual das mulheres. Beverly Whipple, uma sexóloga muito considerada internacionalmente, escreveu a propósito: «Foi verdadeiramente pioneiro e ajudou-nos a todos a percebermos melhor o ser humano através das suas pesquisas sexuais».
70 anos após o choque provocado por Sexual Behavior in the Human Male, Alfred Kinsey ganhou um estatuto mais concretamente científico. No dia da sua morte, a 25 de Agosto de 1956, um editorial do New York Times reconheceu: «The fact remains that he was first, last, and always a scientist».