Arnaut, o poeta. “Era uma maneira de expressar os seus valores”

Começou a publicar poesia em 1954 

“Escrevo para não morrer, porque de alguma maneira o que as pessoas deixam são as suas obras”. Era assim que Arnaut falava do seu gosto pelas letras. O seu primeiro livro de poesia, “Versos da Mocidade”, foi publicado em 1954.

“Além do pensamento, era um homem de sentimentos e coração. Era uma maneira de expressar os seus valores”, lembra Manuel Alegre, amigo com quem costumava falar de poesia. 

Em 2017, Arnaut publicou uma edição aumentada do seu trabalho no livro “Recolha Poética”. “O escritor e, especialmente, o poeta, escreve-se em cada página e em cada verso. Também eu estou em cada poema como procurei estar na vida, limpo e autêntico, irmanado com os outros nas suas angústias e esperanças, os dois vetores intemporais da arte e da fraternidade”, escreveu na primeira edição. “Cada um se escreve como é e vê o mundo. Se eu fosse uma nuvem, chovia dos meus olhos. Como sou de carne e osso, é a dor, a esperança e o amor que exalam dos meus escritos. É esse olhar poético, ora tranquilo, como o voo do pássaro azul da minha infância, ora inquieto como as noites longas da anciania que alimenta a respiração do tempo que me foi dado viver”, acrescentava numa nova nota de autor de fevereiro de 2017. Dizia esperar que os seus versos fossem um “grão de luz” do olhar fraterno com que esteve na literatura e na intervenção cívica.  

Poemas

Receita para inventar uma estrela

Recolhe um naco de Sol, de preferência fresco,
quando a manhã desfolha o primeiro sorriso,
feliz diante da paisagem deslumbrada.
Toma um crescente de lua, a utopia
que move os homens bons de todos os tempos
– Liberdade, Igualdade, Fraternidade
Derrama umas notas de Mozart e Beethoven,
alguns versos de Camões e de Pessoa
um pouco de tinta de Leonardo e Picasso
Leva tudo ao fogo das palavras
com que Jesus desafiou o poder e urdiu
o belo revolucionário Sermão da Montanha
E sentirás crescer dentro de ti,
impetuosa e fúlgida na noite circundante
a estrela que falta na constelação do Homem
 
m – Mãe/morte

Palavras de fronteira: mãe, morte. Entre a primeira respiração e o último alento há o inumerável mar da vida, uma mulher que me chama e a memória agridoce de todas as estrelas. Mãos que acendem amorosamente os mastros e acenam às margens finalmente libertas de todos os rios.
Talvez música, a metáfora da maçã. Quando eu morrer, mãe, ouvirei ainda a voz do silêncio a murmurar.
 
35 anos depois

Serviço Nacional de Saúde
a esperança em liberdade
força conjugada
do dever e da vontade
Ainda floresce
na alma levantada
este grito – SNS!
Que seja de todos, Sol e vida
estrela da igualdade
símbolo, força, sinal;
Cravo de abril plantado,
no chão de Portugal

A eternidade não tem futuro

O Sol viverá apenas
mais alguns biliões de anos.
Depois tudo se apagará
e uma noite de cinzas,
gélida, definitiva,
cobrirá com um manto de negrura
o espaço ausente do nada.
Até o sol é efémero.
A eternidade não tem futuro