As teias do poder…

Em jeito de manifesto, cinco deputados do PSD, entre os quais o anterior líder parlamentar e a nova líder da Juventude Social Democrata, assinaram um artigo no Observador de leitura obrigatória.  Escrevem os deputados (Miguel Morgado, Margarida Balseiro Lopes, Hugo Soares, Duarte Marques e António Leitão Amaro), logo a abrir o texto, que «é nosso…

Em jeito de manifesto, cinco deputados do PSD, entre os quais o anterior líder parlamentar e a nova líder da Juventude Social Democrata, assinaram um artigo no Observador de leitura obrigatória. 

Escrevem os deputados (Miguel Morgado, Margarida Balseiro Lopes, Hugo Soares, Duarte Marques e António Leitão Amaro), logo a abrir o texto, que «é nosso dever indeclinável não calar, nem evitar a discussão do maior escândalo da história da nossa democracia». 

Estava dado o mote para escalpelizar os tempos de José Sócrates e «uma liderança política que se colocou como um dos vértices de uma gigantesca teia de corrupção, promiscuidade e de abuso de poder». 

O documento dos deputados está bem estruturado e não adoça as palavras, apontando a passividade de tanta gente que se fingiu distraída ou foi mesmo conivente com a situação – quando não beneficiária dela – e que hoje rasga as vestes, procurando iludir responsabilidades. 

Os deputados denunciam, ainda, a transferência, sem «um pingo de indignação» do «núcleo duro do Governo Sócrates para o novo Governo apoiado pela ‘geringonça’. São os mesmos».

É verdade. São os mesmos – como aqui escrevemos, a pregar no deserto, perante uma pegajosa apatia.

De facto, nunca foi motivo de desconforto, quer para o PS quer para os parceiros da coligação, o facto de terem sido ‘repescados’ e acomodados no atual Governo vários ministros oriundos dos elencos de Sócrates, que deixaram o país entregue à troika, de cofres vazios.

Claro que o PCP e o Bloco mascaram-se de ‘inocentes úteis’, enfatizando que o Governo é da exclusiva responsabilidade socialista.  Mas estão comprometidos.

O ‘estado de negação’ em que se arrasta Rui Rio desde que foi eleito no PSD, com simulacros de oposição, tem contribuído para reforçar essa sensação de vazio no maior partido parlamentar.  

Primeiro, afastou alguns dos colaboradores mais próximos do antecessor, rodeando-se de críticos assanhados do Governo de Passos Coelho, como foi o caso paradigmático de Elina Fraga, enquanto bastonária dos advogados. 

Depois, ficou para a história dos erros de Rio o simbolismo do aperto de mão trocado com Costa, com o qual fechou (para o ‘retrato’) acordos não assinados para a descentralização e para os fundos estruturais. 

Por fim, a persistente dessintonia entre o novo líder e os deputados, sendo notória a tibieza da sua reação à turbulência à volta de Sócrates – talvez para não entrar em «competições mediáticas», como referiu a propósito de Manuel Pinho. 

A passividade da direção laranja, ao limitar-se a uma oposição redutora e minimalista, contrasta com as campanhas sistemáticas desencadeadas pelo PS de António Costa ao tempo da coligação PSD-CDS.

O ‘caldo morno’ servido por Rio, como se o PSD precisasse de uma dieta frugal, parece destinado a não incomodar a ‘geringonça’, mesmo correndo o risco de o partido perder influência perigosamente e de forma duradoura. 

Seria expectável que Rio se interessasse por aquilo  que a Justiça tem vindo a destapar envolvendo Sócrates e outros elementos dos seus governos, desde as obras faraónicas em algumas escolas, tratadas  como se fossem hotéis de luxo, até aos mistérios  do TGV, cujo consórcio exige ao Estado indemnizações de muitos milhões por não ter avançado a obra. Sem esquecer o escândalo de várias autoestradas quase sem carros, e do Aeroporto de Beja sem aviões, que os contribuintes continuam a pagar. 

Mas não. A oposição de Rio ou não existe ou é ‘sol de pouco dura’, dando mostras de uma personalidade timorata, que não se lhe conheceu enquanto autarca no Porto, quando ‘bateu o pé’ a Pinto da Costa, colocando-o no seu devido lugar.  

Entretanto, António Costa passeia-se por entrevistas ‘de favor’, como aquela que o DN promoveu, desdobrada por dois dias, como se fosse um folhetim, onde o primeiro-ministro em exercício argumenta, em relação ao funcionalismo público, que «é mais importante contratar do que aumentar». 

Confessou-se. O que preocupa Costa não é reduzir e qualificar os servidores do Estado, para termos melhores serviços com menos despesa, mas inchar o ‘monstro’, para amealhar votos gratos.

Em vésperas do Congresso Socialista, a batalha de Costa está à vista. Primeiro, desembaraçar-se de Sócrates e companhia, como ‘ativos tóxicos’. Depois, ir a votos para ganhar legitimidade e poder, por falta de comparência do PSD.  

Compreende-se, por isso, o ‘grito de alma’ dos cinco deputados sociais-democratas, juntando-se a Luís Montenegro e a outros que não se reconhecem numa liderança que ameaça ser a réplica   do desastre de Luís Filipe Menezes, um antigo adversário. Receiam, afinal, que esteja a ser reconstruído, paulatinamente, «o castelo quase inexpugnável do poder socialista». E não se enganam.