As rajadas incontroláveis do vendaval vermelho!

Em 1977, o Liverpool de Steve Highway, Jimmy Case, Callagham, Hughes e Kevin Keegan foi um caso invulgar de futebol diferente no qual a técnica se usava para jogar ao primeiro toque.Campeão europeu à custa do Borússia M’Gladbach

1967: pela primeira vez uma equipa não latina conquistava a Taça dos Campeões Europeus. Era britânica, mas não inglesa. Em Lisboa, no Estádio Nacional, o Celtic derrotava o favorito Inter de Milão por 2-1. Na época seguinte, finalmente um inglês: Manchester United, em Wembley, face ao Benfica, 4-1 após prolongamento.
Em seguida, um vazio.

O Celtic voltaria à final, em 1970, perdendo para o Feyenoord.

Depois, o Leeds United foi batido pelo Bayern de Munique, em 1975.

Ninguém seria capaz de adivinhar que vinha aí uma era insuperável: durante seis anos consecutivos, três campeões de Inglaterra dominaram a Taça dos Campeões Europeus.

Houve quem lhe chamasse, com a ironia própria de um súbdito de Sua Majestade Isabel, segunda do nome, a Taça Europeia dos Campeões Ingleses.

E o primeiro clube dessa gesta está, agora, de regresso à final da que passou a ser, entretanto, a Liga dos Campeões: Liverpool.

Final repetida: em 1981, como ainda há uns dias contámos nestas páginas, o Liverpool bateu o Real Madrid no jogo derradeiro, no Parque dos Príncipes – 1-0.

Tempos sobre tempos se passaram.

Recordemos 1977.

Coisa que não é difícil para a rapaziada da minha geração, de repente posta na presença de um futebol pouco habitual, de passes de primeira numa roda-viva constante, geralmente concluída da forma mais surpreendente.

Ah! E havia aquela forma de marcar golos em violência de remate numa época que se preferia o jeitinho natural da técnica de cada um, como se um pontapé de primeira sem deixar a bola tocar no chão não fosse um dos exemplos mais universais da técnica individual.

O Liverpool fez-nos olhar para o futebol de outra maneira.

As transmissões televisivas eram raras, a informação sobre o futebol que se praticava lá fora muito escassa.

Quando, subitamente, a RTP, no dia 16 de março de 1977, pelas 19h25 nos fez entrar pelas casas dentro a segunda mão dos quartos-de-final da Taça dos Campeões entre Liverpool e Saint-Étienne, a noite ganhou um brilho inusitado. Vimos Keegan, Kennedy e o cenoura Fairclough responderem ao golo de Bathenay e ultrapassarem a derrota do Geoffroy-Guichard (0-1) e ficámos com água na boca para o que aí viria.

Eu não sabia que, um ano mais tarde, veria o Liverpool bater o Benfica na Luz por 2-1, no meio de uma tempestade de raios e coriscos. Mas esperava ansiosamente pelo dia 25 de maio, convencido de que o Borússia de Münchengladbach, com Vogts, Bonhoff, Heynckes, Stielike e um pequenino e endiabrado dinamarquês chamado Alan Simonsen, não teria hipótese perante aquele jogo encantado de Keegan e Jimmy Case, de Steve Highway e Terry McDermott, de Hughes e Callagham que nos serviu, durante a adolescência, para praticarmos em todos os pedaços de relva dos Olivais Sul o que chamávamos “futebol-à-ingalesa”.

Roma. O Liverpool ganhou. Estava escrito nas estrelas. Tomou avanço graças a um golo de McDermott, o pensador da equipa, a passe de Highway, um tipo escanzelado vindo da Irlanda que avançava pelo campo aos zigue-zagues.
Os ingleses dominavam o jogo e os momentos do jogo.

O Borússia vinha na correnteza das três vitórias do Bayern de Munique na prova. Seria, em caso de triunfo, a quarta Taça dos Campeões consecutiva para clubes alemães.

Mas via-se frente a um adversário imbatível. O ecrã da televisão ainda transmitia as imagens a preto e branco, mas a gente conseguia ver aqueles homens completamente equipados de vermelho a cavalgarem por entre adversários numa mistura estranha de estilos variados, imposta inicialmente por Bill Shankly e aperfeiçoada por um gorducho bonacheirão chamado Bob Paisley.

Ao empate assinado por Simonsen, num pontapé supimpa, respondeu o veterano central Tommy Smith na sequência de um canto de Highway. Depois, Kevin Keegan, que acabara de assinar um contrato milionário com o Hamburgo, foi por ali fora sem cerimónias até ao derrube inevitável em plena grande-área alemã. Phil Neal converteu o castigo.
3-1 não deixava dúvidas.

Curiosamente, quatro anos antes, o Liverpool batera o Borússia de Münchengladbach na final da Taça UEFA, ainda a duas mãos (3-0 e 0-2). Um ano mais tarde, voltaram a desafiar-se, desta vez numa meia-final da Taça dos Campeões – 2-1 para os alemães na primeira mão; 3-0 para os ingleses em Anfield.

O duelo entre ambos entrou-nos pela televisão e pela alma.

Estávamos perante uma nova realidade. O Liverpool marcava uma era na história do futebol europeu e, depois de ver a sua coroa posta em causa pelo Nottingham Forest de Brian Clough, voltou a recuperá-la.

Cabe-lhe, no sábado, quebrar um ciclo: o ciclo branco do Real Madrid, dominador da Liga dos Campeões. Terá de voltar a ser enorme…