Nem Deus agradaria aos passistas

A chegar aos 100 dias de liderança, o balanço feito à presidência de Rui Rio mostra que o ex-autarca ainda não conseguiu afastar a sombra deixada por Passos Coelho.

Nem Deus agradaria aos passistas

Depois de um início com alguma «turbulência», como diz a ex-ministra Paula Teixeira da Cruz, o clima parece mais desanuviado entre a bancada parlamentar e a liderança de Rui Rio. Ao fim de quase 100 dias à frente dos sociais-democratas, o ex-autarca continua sem reunir consensos, mas quem não concorda parece mais propenso a calar as suas críticas. Como aconteceu no processo de recolha de depoimentos para este artigo, em que os silêncios vieram sobretudo da ala passista.

«Quando se lança um barco ao mar há sempre agitação mesmo com um mar tranquilo», explica Rubina Berardo, vice-presidente da bancada parlamentar, «eisso é a mesma coisa que aconteceu com a questão interna».

Desde atomada de posse, num congresso nacional em que o discurso de Luís Montenegro – anunciando a sua renúncia ao cargo de deputado depois de ter sido líder da bancada parlamentar de Passos Coelho – foi mais aplaudido do que as palavras do novo líder, que Rio tem sido alvo de críticas internas, nas suas posições e escolhas. E começou logo na escolha de Elina Fraga para a vice-presidência do partido, ela que chegou a processar o Governo de Passos Coelho, quando era bastonária da Ordem dos Advogados.

«Deus que foi Deus não agradou a todos», diz a deputada Maria das Mercês Borges. «Há pessoas que foram mais aceites que outras», acrescenta, sublinhando a pluralidade do partido. Outra deputada social-democrata, Manuela Tender acredita que as escolhas pessoais «suscitam sempre algum burburinho». «Há pessoas que teriam pretensões de ser convidadas e não foram» e isso resultou em críticas, algo «normal», afirma.

Paula Teixeira da Cruz, foi uma das mais críticas em relação às escolhas, nomeadamente de Elina Fraga, ou não tivesse sido ela o principal alvo das críticas da então bastonária. Mas salienta que houve outras situações a merecer igualmente reparo no tratamento dos deputados: «Estou a referir-me à forma como inicialmente se lidou com o grupo parlamentar, à forma como o anterior líder foi tratado [Hugo Soares], como o próprio grupo parlamentar foi tratado».

Para Margarida Balseiro Lopes, líder da JSD, «o caso mais flagrante teve a ver com o secretário-geral». Feliciano Barreiras Duarte, nomeado para o cargo, acabou por se demitir na sequência de uma notícia do SOLsobre as irregularidades no seu currículo académico. Algo que aumentou a pressão numa transição que já estava cheia de pontos, até porque Rio vinha com todo o discurso do ‘banho de ética’ na política que deixou alguns dos seus colegas de partido indispostos.

Se os ânimos estão apaziguadas, as dificuldades de coordenação entre a liderança do partido e a bancada parlamentar continuam. Quando António Costa anunciou a intenção de acabar com o corte de 5% nos salários dos elementos dos gabinetes políticos, Rio disse sim, Negrão disse não. Mas, sinal dos tempos, os sociais-democratas preferiram deitar água ao invés de combustível nessa falha: «Há uma grande preocupação em haver concertação de posições permanentes, só que às vezes a comunicação social é muito rápida e alguns não chegam a perceber o que os outros disseram», explica Berta Cabral, recusando a existência de «descoordenação de fundo propositada». 

No entanto, a situação repetiu-se com o pedido de demissão do ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, feito por Ricardo Batista Leite. Com Rio a negar que o PSDestivesse a pedir a cabeça do ministro: «Aquilo que me dizem que se passou na Assembleia não foi nenhum pedido de demissão».

Para António Ventura, deputado eleito pelos Açores, «formalmente, a demissão é num outro contexto» e «se o PSDquisesse mesmo a demissão do ministro, prioritariamente, chegava ao ambão e dizia ‘o ministro tem de se demitir’.» Uma explicação que tenta contrariar, mas acaba a confirmar aquilo que Batista Leite fez: «a única atitude séria que se poderia esperar do senhor ministro da Saúde era a sua demissão hoje aqui e agora», afirmou o deputado do ‘ambão’ do Parlamento.

Nuno Serra prefere interpretar a aparente contradição como resultado da «independência da bancada do PSD perante o partido». É porque «se não existe separação entre poderes é porque estão muito mal coordenados», refere o deputado eleito por Santarém.

Acordos e políticas

A chegada de Rio ao poder no PSD obrigou ao realinhamento político do partido que se chegou mais ao centro, assumindo até a possibilidade de um bloco central. Exemplo disso, os dois acordos assinados com o governo sobre a descentralização e sobre os fundos comunitários, numa cerimónia solene que contou com a presença do primeiro-ministro, António Costa.

«Trata-se de dois temas fundamentais para o país», justifica Berta Cabral, lembrando que o processo de descentralização «há muito que vinha sendo trabalhado em conjunto com o PSD e o PS», os partidos com maior expressão autárquica. Para José Cesário, Rio quer «demonstrar uma faceta de um PSDcom uma postura construtiva, capaz de apoiar quando tem de apoiar e contestar quando deve contestar».

No entanto, nem todos concordam com o que o líder anda a fazer. Paula Teixeira da Cruz vê com «preocupação» as declarações de Rio sobre a Justiça e os média. «AJustiça é um pilar da democracia, os média também e, portanto, quaisquer restrições ou defesa de restrições que toquem à Justiça ou aos média, são para mim sinal de preocupação.»
Nuno Serra diz que «ainda não houve muito para ver», reservando a avaliação para mais tarde. «Neste momento não posso dizer nem bem nem mal», embora se note a crítica na definição de que Rio «tem sido mais reativo do que ativo». «Provavelmente temos de esperar que o Conselho Estratégico Nacional entre em funcionamento e comece a produzir ideias para que nós comecemos a perceber qual é o caminho de Rui Rio», acrescenta. Opinião secundada por Paula Teixeira da Cruz: «Gostaria de saber qual é o programa».

As dificuldades de afirmação não são uma novidade no PSD, recorda Adão Silva, muito próximo de Rio. «Todas as lideranças do partido que conheço tiveram sempre algumas dificuldades em se afirmarem», referindo Cavaco Silva e Durão Barroso.

«Há aqui um aspeto que também tem de ser tido em consideração: Rui Rio sucede a uma pessoa – Pedro Passos Coelho – que era muito respeitada e muito considerada pela generalidade dos militantes da estrutura», diz José Cesário. E, mais importante, «que ainda mantém intacto esse respeito».